Despertei
aos poucos. Levantei tarde. Quando me deparei no relógio, vi que não adiantava
mais ir ao SESC Campo Limpo. Para mim, é necessário, sempre, acordar com uma
boa música. O clima estava para ouvir, de cara, Suede. Uma das bandas
precursoras do BritPop dos anos 90. Ao lado dos Stone Roses, o Suede abriu
portas para Oásis, Blur, Pulp, Kula Shaker e tantos outros grupos que surgiram nessa
época. Eu fui e sou apaixonado por Brett Anderson, vocalista da banda. Em uma
entrevista que ele deu ao Melody Maker, em 1993 (nossa, tem tempo), ele
declarou que era um “bissexual que ainda não tinha se apaixonado por um homem”.
Imagina para um garoto, em plena efervescência juvenil, ainda se resolvendo
sexualmente, ler essa entrevista? Foi um ápice!
Arrumei
o quarto, guardei as roupas, me arrumei e fui até a padoca nova que abriu, próxima ao
SESC Consolação. Pedi brioches na chapa com ovo estalado e um chocolate quente.
Enquanto aguardava, dei uma lida no Guia da Folha. Estava no pique de fazer
algo sozinho e pelas proximidades. Vi duas exposições bem interessantes. Sentou-se,
ao meu lado, uma típica família “classe emergente” – aquela que tem dinheiro,
mas não tem classe para gastá-lo. O “chefe de família” pegou o cardápio em cima
de minha mesa, sem me pedir licença. Não dei bola. Não iria me desgastar à toa.
Desci
a Major Sertório, em direção à Matilha Cultural, na Rêgo Freitas. Nunca tinha
dado muita bola para essa galeria. Tinha ido uma vez, numa exposição bem pífia e no
festival de documentário musical, o In-Edit, ver um ótimo filme sobre a turnê
do Anthony and the Johnsons. Aguardando o sinal para atravessar a Amaral
Gurgel, me deparei (pois não dá para evitar) com aquele Minhocão horrível. E
pensar que antes da construção desse aborto
visual, tínhamos grandes praças e um
belo projeto urbanístico para a cidade. Lembravam muito aquelas praças lindas e
extensas de Paris. E pensar que Paulo Maluf foi formado em Engenharia. Ele
tem cadeira cativa. No inferno. Pior é
ter ainda que vê-lo nessas articulações político-eleitoreiras. Não é, Alexandre
Padilha?
A
Matilha Cultural melhorou no visual. A exposição, um tanto instigadora. A História da Cannabis. Bem corajoso.
Apesar de ficar numa sala pequena, ela cumpre seu papel de fazer uma
retrospectiva histórica e cultural da planta. Segundo alguns, originária da
China. Os chineses são realmente visionários (risos). E pensar que a repressão
em torno da planta começou a acontecer há apenas 100 anos atrás. Ainda pensamos
como quadrúpedes. É muito retrocesso.
Saí
em direção ao Museu de Arte Brasileira da FAAP. Como é bom caminhar pelo
Higienópolis. Eu realmente adoro. Uma região com um ar limpo pra se respirar,
bem arborizada e umas relíquias arquitetônicas. Cada prédio! Eu sempre me visualizo
morando por lá.
Realmente
impressionante a exposição Tauromaquia,
com obras sobre o mundo da tourada, através da opinião ímpar de Francisco Goya, Picasso e Salvador Dalí. Simplesmente
os três grandes pilares da pintura espanhola. E muito mais! E o que eles
quiserem! Pra começar, o espaço ambientado para receber as obras, foi pensado
para que nós, réles mortais feudais, percebêssemos que essa estrutura fosse
criada sob uma ótica de estarmos numa arena. Os quadros ficam pendurados em
diversos relevos para provocar essa intenção. As gravuras de Goya são de arrepiar! Fora toda a
história e todo peso político da pintura Guernica,
feita por Picasso para afrontar e denunciar o regime ditatorial do governo
Franco, na Espanha. Durante esse transe
de estado de graça, encontrei com um produtor, que já quis conversar sobre
trabalho. Fui educado, fiz uma resposta sintética e pedi licença para terminar
de ver a exposição. Uma frase de Ernest Hemingway me chamou a atenção. Em seu
livro Morte na Tarde, ele escreveu: “a tourada é a única arte em que o artista
está em perigo de morte”.
Parada
para almoçar. Meio galeto desossado com nhoque de mandioquinha ao molho pêsto.
Degustando uma taça de vinho chardonnay, dei uma folheada no Segundo Caderno,
do jornal O Globo. Deborah Colker estreia, no teatro Municipal do Rio de
Janeiro, duas coreografias: uma delas, Belle,
é baseada no livro do escritor franco-argentino Joseph Kessel, Belle Du Jour. Essa obra-prima foi, anos
mais tarde, filmada por Luís Buñuel com a exuberante Catherine Deneuve. Quem
ainda não viu, corra para pegar na locadora e assisti-lo, acompanhado de uma
bela taça de vinho. Encorpado, de preferência. Estou na expectativa que
Deborah, com sua trupe, venha para São Paulo. Conversei com o maitre do restaurante, Celiomar. Baiano
e de uma simpatia exemplar. De repente, me deu preguiça de ver Malévola.
Voltei
pra casa. No caminho, pausa rápida para um expresso ristretto. Quis descansar um pouco e me arrumar aos poucos, para ir
ao teatro. Vou assistir Lampião e Lancelote, com minha amiga Elídia.