São Miguel dos Milagres – Praia
do Toque. Comecei a ler compulsivamente “On
the Road”, na praia. Sempre amei ler livro na praia ou embaixo de um coqueiro.
Entrar na história de outras pessoas, ouvindo o barulho do mar e se permitir ao
menos servir de figuração na trama, sem aparecer. O problema é que essa obra
prima de Kerouac – apesar de vários críticos defender de que On The Road não é
“A” grande obra do autor, me deixa um tanto quanto irritado. Mas confesso estar
careta demais para entrar no desfiladeiro que é a relação de Sal e Dean, dois
amigos com nenhuma preocupação a demonstrar com as adversidades da vida. Se
aventuram às vezes no rumo de nada só pelo simples ato de inconsequência
necessária na vida daquela juventude pós-(segunda)guerra, em pleno desolamento em torno
da falta de perspectiva de vida.
O problema é que desde o
princípio, quando o autor decide protagonizar a figura de Dean e descrevê-lo
como ele é – um rato oportunista, interesseiro que só se preocupa com o próprio
umbigo, decide criar atrativos para que você seja seduzido por esse peculiar
ser: uma figura ímpar, sendo referência a todos os seus amigos, incluindo o
escritor - subserviente demais ao tal truqueiro Dean. Quer dizer, esse é um tipo de perfil – o tal Dean, que me faria já ficar como gato escaldado. Eu
tenho evitado esse tipo de gente. Odiei Dean desde o primeiro parágrafo. E eu
não consigo entender o que faz as pessoas amigas desse lunático e lacônico ser ficarem
tão reverenciadas a ele. É um tipo de gente que não me acrescentaria em nada.
Mas só para terminar, a narrativa condutiva de Kerouac te dá uma sensação de ouvir,
mentalmente falando, um jazz sincopado. Não tem como ler o livro, sem escutar
um bom jazz. E a vibe estava ótima
para adentrar, com certa resistência, ao estranho mundo on the road.
Pausa para mais um mergulho,
agora sem dar pinta (sim, eu dei pinta, dêem uma
olhada: http://omundodelira.blogspot.com.br/2016/07/sao-miguel-dos-milagres-praia-do-toque.html). Me enxuguei e fui continuar a ler a saga de Kerouac. Enquanto
ficava compenetrado com a leitura, levei um susto ao ouvir uns “esfregas” atrás
dos pequenos arbustos que há na praia. Era voz de mulher. Quando resolvi me
atentar a ver o que estava vindo em minha direção, vi saindo o “casal” – eram
duas sapatonas. Tinha a macha caminhoneira recém entrada na classe média, com
short amarelo limão e top verde limão. Achei que era a atendente da pousada
(risos) dando uns amassos na amada. A outra estava mais comportada, se
despedindo da macha para cair na água. A sapa macha ficou me olhando e eu
fingi não olhar pra ela. Continuei lendo a revista. Estava mais interessante.
Depois de horas apreciando a
praia, Brenno se despede, avisando que tiraria uma hora de folga. Agradeci a
ele pela acolhida e perguntei o preço do côco que eu queria acertar e p jovem
galante simplesmente responde: “Fica por minha conta”. Decidi retribuir a
gentileza e convidá-lo para tomar um drink na Pousada do Sonho. Ele disse que
passaria por lá. Não é ´pra casar de véu
e grinalda? Me despedi e fui caminhando de volta a Porto de Rua, bairro de São
Miguel onde estava hospedado. Parada para comer no bar do Enildo (peixe ao
molho de camarão mais suco de maracujá: R$53,90). Fiquei sentado contemplando a
orla e aguardando meu prato, quando fiquei escutando com meu ouvido de
tuberculoso alguns seres nulos enaltecendo a ditadura militar. Pela cara deles,
deduzi terem trabalhado na era de chumbo da nossa política. Nada muito
diferente aos dias de hoje. A energia ficou um pouco pesada, mas de repente,
com aquele mar na minha direção, respirei fundo para entrar na história de Dean
e Sal novamente. Estava precisando de um pouco de loucura naquele momento. Me
matei de comer um suculento peixe ao molho de camarão e segui meu trajeto, rumo
à pousada.