sábado, 30 de julho de 2016



São Miguel dos Milagres – Praia do Toque. Comecei a ler compulsivamente “On the Road”, na praia. Sempre amei ler livro na praia ou embaixo de um coqueiro. Entrar na história de outras pessoas, ouvindo o barulho do mar e se permitir ao menos servir de figuração na trama, sem aparecer. O problema é que essa obra prima de Kerouac – apesar de vários críticos defender de que On The Road não é “A” grande obra do autor, me deixa um tanto quanto irritado. Mas confesso estar careta demais para entrar no desfiladeiro que é a relação de Sal e Dean, dois amigos com nenhuma preocupação a demonstrar com as adversidades da vida. Se aventuram às vezes no rumo de nada só pelo simples ato de inconsequência necessária na vida daquela juventude pós-(segunda)guerra, em pleno desolamento em torno da falta de perspectiva de vida.

O problema é que desde o princípio, quando o autor decide protagonizar a figura de Dean e descrevê-lo como ele é – um rato oportunista, interesseiro que só se preocupa com o próprio umbigo, decide criar atrativos para que você seja seduzido por esse peculiar ser: uma figura ímpar, sendo referência a todos os seus amigos, incluindo o escritor - subserviente demais ao tal truqueiro Dean. Quer dizer, esse é um tipo de perfil – o tal Dean, que me faria já ficar como gato escaldado. Eu tenho evitado esse tipo de gente. Odiei Dean desde o primeiro parágrafo. E eu não consigo entender o que faz as pessoas amigas desse lunático e lacônico ser ficarem tão reverenciadas a ele. É um tipo de gente que não me acrescentaria em nada. Mas só para terminar, a narrativa condutiva de Kerouac te dá uma sensação de ouvir, mentalmente falando, um jazz sincopado. Não tem como ler o livro, sem escutar um bom jazz. E a vibe estava ótima para adentrar, com certa resistência, ao estranho mundo on the road.


Pausa para mais um mergulho, agora sem dar pinta (sim, eu dei pinta, dêem uma olhada: http://omundodelira.blogspot.com.br/2016/07/sao-miguel-dos-milagres-praia-do-toque.html). Me enxuguei e fui continuar a ler a saga de Kerouac. Enquanto ficava compenetrado com a leitura, levei um susto ao ouvir uns “esfregas” atrás dos pequenos arbustos que há na praia. Era voz de mulher. Quando resolvi me atentar a ver o que estava vindo em minha direção, vi saindo o “casal” – eram duas sapatonas. Tinha a macha caminhoneira recém entrada na classe média, com short amarelo limão e top verde limão. Achei que era a atendente da pousada (risos) dando uns amassos na amada. A outra estava mais comportada, se despedindo da macha para cair na água. A sapa macha ficou me olhando e eu fingi não olhar pra ela. Continuei lendo a revista. Estava mais interessante.


 Depois de algum tempo, vejo sair do arbusto uma criança, correndo em direção ao mar. Rebolava muito, mas ignorei, afinal praia é um lugar livre. A outra sapa saiu da água e se encontrou com o “marido”. Ficaram namorando ao  meu lado. Só no momento que ouço alguma criatura gritar: “Maaiiiiiinha”! Aí vejo o menino, saindo saltitante do mar, dando uma pinta linda e deixando os casais “normais” perplexos. Gritava de forma bem afetada: “A senhora exxxxxtá lascada, vice”? (risos). Impressionante como “elas” têm se iniciado mais cedo. Adorei a linha “nem tô” que ela fez.  E o que você faz numa ora dessas? Gargalha, oras. (risos)


Depois de horas apreciando a praia, Brenno se despede, avisando que tiraria uma hora de folga. Agradeci a ele pela acolhida e perguntei o preço do côco que eu queria acertar e p jovem galante simplesmente responde: “Fica por minha conta”. Decidi retribuir a gentileza e convidá-lo para tomar um drink na Pousada do Sonho. Ele disse que passaria por lá.  Não é ´pra casar de véu e grinalda? Me despedi e fui caminhando de volta a Porto de Rua, bairro de São Miguel onde estava hospedado. Parada para comer no bar do Enildo (peixe ao molho de camarão mais suco de maracujá: R$53,90). Fiquei sentado contemplando a orla e aguardando meu prato, quando fiquei escutando com meu ouvido de tuberculoso alguns seres nulos enaltecendo a ditadura militar. Pela cara deles, deduzi terem trabalhado na era de chumbo da nossa política. Nada muito diferente aos dias de hoje. A energia ficou um pouco pesada, mas de repente, com aquele mar na minha direção, respirei fundo para entrar na história de Dean e Sal novamente. Estava precisando de um pouco de loucura naquele momento. Me matei de comer um suculento peixe ao molho de camarão e segui meu trajeto, rumo à pousada.