O dia amanheceu com um sol lindo
e cortante em
Algodoal. Deixei o ar condicionado ligado, para repelir
qualquer inseto pré histórico a entrar. Passei pelo quarto de Ju e a chamei
para ir tomar café. Ela comentou que se surpreendeu com uma barata na janela do
seu quarto. Minha intuição estava certa sobre esses monstros pré históricos e a partir daí comecei a deixar o ar
condicionado ligado quase o dia inteiro (risos).
Fomos tomar nosso café. Nossa
dublê de mãe de santo, a Baiana, preparou um bom breakfast pra gente. Ficamos entretidos com a televisão. Estava
passando aquela bobeira de dona de casa de primeira viagem, o É de Casa. Juçara
fez uma ponderação a se pensar: como a Globo pode colocar um programa sobre
casa se ela fala a semana toda em seus programas sobre o assunto? Quer dizer,
de alguma forma, o Mais Você e o Bem Estar suprem essa carência, não? É uma
enxurrada de programas com a mesma temática no mesmo canal. Fora o que não
estou computando nos outros canais que passam a mesma coisa nos mesmos horários.
Fora a sucessão de absurdos que vimos nesta edição do programa. A
propósito, para que ter tantos apresentadores? Ficamos nesse debate boca
enquanto saboreávamos nossa tapioca, quando veio a primeira pérola do programa:
numa cena externa, aquela apresentadora que come o Boninho, a Ana Surtada estava entrevistando um
“educador”, que ensinava a fazer alguns jogos utilizando diversos tipos de
papéis para produzir uma espécie de “basquete para autista”. Enquanto a surtada
entrevistava o moço, tinha dois pentelhos no fundo jogando bolas de papel um no
outro. Eles (risos) não estavam nem aí para o programa. Isso em pleno padrão
Globo de qualidade. A uma certa altura, a Surtada chamou um dos meninos,
perguntando a eles que tipo de material eles usaram para ajudar o “educador” a
fazer o brinquedo, quando um deles diz em alto e bom tom que utilizaram uma
(risos) “régua de triângulo”. Eu e Juçara ficamos pasmados em ver tamanha falta
de informação passada em pleno programa matinal da Rede Globo. Quer dizer, desde
quando ESQUADROS mudou de nome?
Com a besteira tamanha que
estávamos vendo, incrédulos com tamanhá ignorância, nem percebemos que um
casal estava tomando café ao nosso lado. Demos um bom dia, mas o bofe estava
meio de mal humor. Foram embora e deram espaço a outro casal que estava
chegando e nem nos cumprimentaram. Nem precisei ser adivinho para acertar que
eles eram de Belém. É realmente gozado ver esse tipo de comportamento, nesse
nível de arrogância. Do que adianta terem status e diploma, se não tem algo que
considero primordial num ser humano: a educação?! Será que eles juram que fazem
parte da aristocracia de Downtown Abbey? Seriam se fossem educados. Quem sabe,
quando eu entender o que eles querem de fato, falar com você. Quer dizer, veja,
por exemplo, o sotaque deles. Você não sabe se é carioca, ou maranhense, ou
goiano. É uma autêntica (risos) torre paraense de Babel. Comentei com Juçara a
respeito e tomei como base os vários belenenses que moram em meu prédio. São
tantos que às vezes acho que estou (risos) numa verdadeira república de Belém em plena Pauliceia. E
com esse mesmo tipo de comportamento. Mas pensando numa bela frase já dita pela
Gisele Bunchen: CAGUEI. Nos levantamos e fomos
nos arrumar para o roteiro do dia.
O guia não passou para nos
recepcionar e nos dar opções de passeios. Perguntei a Sávio se ele tinha o contato do guia e Sávio não estava com o celular dele. Aí perguntei se ele conhecia
outro guia e Sávio respondeu negativamente. Em qualquer pousada que se preze,
acho necessário o gerente nos orientar sobre o que fazer, ou pelo menos dar
indicações de quem faça algum roteiro com os turistas. Mas não esquentei.
Juçara e eu fomos até o porto. Ficamos comentando a respeito desse deslize, mas
nada que mudasse nosso humor.
A sorte voltou a ficar ao nosso
lado quando chegamos ao porto. Encontramos Alexandre, o rapaz que levou nossa
malas até a pousada quando chegamos em Algodoal. Ao lado dele, estava um rapaz curioso
com nossa chegada, usando óculos Ray Ban de armação lilás. Ficou nos observando
quando perguntamos para Alexandre se ele conhecia algum guia para nos levar até
a praia de Fortalezinha. Já tínhamos escutado a respeito dessa praia. Antes de
Alexandre responder, o tal garoto entrou em minha frente e disse que nos
levaria. E ficamos naquela cena de olhares, um para cara do outro.
Perguntei o preço e ele deu o seu valor (Passeio: R$100 para 2 pessoas). Achei
razoável, mas fechamos. O tempo passava rápido e a gente queria curtir.
Começamos nossa caminhada,
idealizando uma viagem sem rumo em minha mente. Frank estava na dele, nos
observando, afinal de contas, não é todo dia que ele faz um passeio com duas
“travas” (risos). E eu estava bem
pintosa, com um chapéu Dolce & Gabana e minha canga de mandala azul.
Resolvemos quebrar o gelo, entrevistando o rapaz. Ele nos deu informações
básicas sobre o roteiro do passeio. Nos falou que morava numa vilazinha ao lado
de Algodoal. Apesar da conversa morna, quem realmente quebrou o gelo foi ele,
quando nos falou que recentemente tinha levado um casal para curtir o passeio e
que “eram dois homens”. A partir dali, Frank já tinha nos conquistado. Com apenas 22 anos, já é pai de família:
casado, tem 2 filhos. Elogiei o óculos Ray Ban que estava usando, disse que era
bem estiloso. Ficou cheio de graça, dizendo que era pra atrair as menininhas da
ilha. Juçara perguntou o tempo da viagem e Frank respondeu que levaria 40
minutos até a Praia de Mococa. De lá, deixaríamos o barco para caminharmos até
a vila de Fortaleza, pegar outro barquinho para atravessarmos e chegarmos até a
Praia de Fortalezinha.
Depois de um bom bate papo,
ficamos em silêncio, casa um a sua maneira. Foi um momento de esvaziar
totalmente a minha mente, sem pensar em nada, nem ninguém. Só queria ouvir o
barulho da água batendo no casco do barco. Frank intervia para observarmos ao
nosso redor: passou pelo mangue, apontou por onde os pescadores criam
armadilhas para atrair os peixes e no fim de tarde, pegar o pequeno cardume que
fica preso na emboscada; e por muitas vezes, graças a Deus, nos mostrou
diversas espécies de pássaros, com destaque para o guará, um pássaro de penugem
vermelha, um verdadeiro súdito imperial do mangue. Quando Frank terminava com
sua intervenção, eu novamente entrava em alfa, sentindo a energia do sol, a
força do vento em nossas caras, a suavidade refrescante do mar. E no mais
profundo silêncio interior, em estado de contemplação com a natureza.
Depois de 40 minutos, chegamos em
nosso primeiro destino, a Praia da Mococa. Tinha uma família brincando na água.
A praia em si não é muito atraente. Do outro lado da praia, a cidadezinha bem
bucólica de...Mococa. Frank nos disse que dessa cidade saía barcos para outras
cidades litorâneas, incluindo Salinópolis, nossa próxima empreitada em nosso
roteiro turístico. Junto com a gente, chegou outro barquinho, do mesmo tamanho
que o nosso. E com dez pessoas. Quase
obesas. Quer dizer, uma correção. Quase todas
obesas (risos). Não sei como o barco não virou. Isso realmente me chamou a
atenção.
Quando saímos do barco, senti
dores na região onde operei, again,
pelo fato de ter ficado na mesma posição durante a viagem. Juçara ficou
preocupada, mas disse para irmos adiante. Estava um sol forte, mas nada que um
chapéu Dolce & Gabana e um protetor La Roche-Posay não resolvesse a situação. Fomos caminhando até a vila de Fortaleza. A Fat Family do barquinho que chegou
conosco resolveu pegar outra trilha, por dentro da vila de Fortaleza. Nós
preferimos o atalho, mas Frank nos falou que levaria a gente na volta para
conhecer melhor a região.
Assim que chegamos, um break no quiosque para nos refrescarmos
com água de côco. Tirei meus óculos e ficamos vislumbrando a paisagem ao redor.
A Praia de Fortalezinha estava a poucos metros de nós, mas era necessário
aguardarmos algum caiçara para nos levar de barco até lá. Percebi que Frank não
tirara seus óculos. Isso me atiçou uma certa curiosidade por um momento, quando
o dono do quiosque colocou um system
para escutarmos carimbó. Perguntei para Frank o que ele curtia de som. Foi
enfático em dizer que gostava do som da sua terra. Nos falou também que seu pai
tinha um grupo de dança em Algodoal, onde ele tocava tambor. Nada mais prazeroso do que ouvir um garoto ter
orgulho de sua cultura. Depois de um repertório de carimbó e ainda aguardando o
caiçara chegar com seu barco, o set list do system mudou drasticamente de
estilo, só com medalhões da MPB. Com direito a ouvir, em plena boa terra de
ninguém, o zumbido de uma Abelha.
O caiçara chegou, embarcamos até
Fortalezinha. Foi muito rápido a travessia, uns 7 minutos. Frank pediu para,
caso entrássemos no mar, para ficarmos apenas até a água chegar em nossa
cintura. Ju e eu reverenciamos o mar,
para colocarmos nossa pele a bronzear. Não ficamos muito tempo, pois Frank
estava preocupado com a maré. Valeu pelo visual.
Na caminhada de volta até o
barco, entrei em contato com Nelyssa, a taxista que nos levou até o Porto de
MArudá, para acertar com ela o transfer até a cidade de Castanhal, de onde
pegaríamos algums condução para Salinas. Naquele meio do nada, consegui me
comunicar. Enquanto Ju caminhava com Frank, fiquei tirando fotos. E a Natureza
me deu um tapa de luva de pelica por causa do desdém que tinha feito com a
prainha de Mococa e que me presenteou com uma belíssima foto que me fez tombar.
Fiquei com dores até voltarmos a
Algodoal. Assim que desembarcamos, uma boa supresa: encontramos Alexandre, que
tinha levado nossas bagagens até a pousada. Nos perguntou do passeio e eu disse
que o que mais tinha me emocionado era o trajeto de barco. Papeamos um pouco
até saber que Alexandre tinha um apelido - Passarinho. Não entendi o motivo do
apelido porque ele não parece em nada com um. Nos despedimos de Frank, que
estava ansioso em também saber sobre o passeio. Agradecemos a ele pelo dia e
principalmente pela sua companhia agradável. No caminho até a pousada, disse a
Juçara que tinha descoberto o motivo de Frank não ter tirado seus óculos em
momento algum: durante nosso descanso no quiosque, vi que Frank era cego de um
olho. Antes de nos despedirmos, ficamos
de trocar contatos. Um menino sofrido, batalhador, responsável e que certamente
terá sempre oportunidade de guiar os turistas com sua sensibilidade nata. É o que
eu espero.