quarta-feira, 30 de setembro de 2015


O dia amanheceu com um sol lindo e cortante em Algodoal. Deixei o ar condicionado ligado, para repelir qualquer inseto pré histórico a entrar. Passei pelo quarto de Ju e a chamei para ir tomar café. Ela comentou que se surpreendeu com uma barata na janela do seu quarto. Minha intuição estava certa sobre esses monstros pré históricos e a partir daí comecei a deixar o ar condicionado ligado quase o dia inteiro (risos).

Fomos tomar nosso café. Nossa dublê de mãe de santo, a Baiana, preparou um bom breakfast pra gente. Ficamos entretidos com a televisão. Estava passando aquela bobeira de dona de casa de primeira viagem, o É de Casa. Juçara fez uma ponderação a se pensar: como a Globo pode colocar um programa sobre casa se ela fala a semana toda em seus programas sobre o assunto? Quer dizer, de alguma forma, o Mais Você e o Bem Estar suprem essa carência, não? É uma enxurrada de programas com a mesma temática no mesmo canal. Fora o que não estou computando nos outros canais que passam a mesma coisa nos mesmos horários.  Fora a sucessão de absurdos que vimos nesta edição do programa. A propósito, para que ter tantos apresentadores? Ficamos nesse debate boca enquanto saboreávamos nossa tapioca, quando veio a primeira pérola do programa: numa cena externa, aquela apresentadora que come o Boninho, a Ana Surtada estava entrevistando um “educador”, que ensinava a fazer alguns jogos utilizando diversos tipos de papéis para produzir uma espécie de “basquete para autista”. Enquanto a surtada entrevistava o moço, tinha dois pentelhos no fundo jogando bolas de papel um no outro. Eles (risos) não estavam nem aí para o programa. Isso em pleno padrão Globo de qualidade. A uma certa altura, a Surtada chamou um dos meninos, perguntando a eles que tipo de material eles usaram para ajudar o “educador” a fazer o brinquedo, quando um deles diz em alto e bom tom que utilizaram uma (risos) “régua de triângulo”. Eu e Juçara ficamos pasmados em ver tamanha falta de informação passada em pleno programa matinal da Rede Globo. Quer dizer, desde quando ESQUADROS mudou de nome?


Com a besteira tamanha que estávamos vendo, incrédulos com tamanhá ignorância, nem percebemos que um casal estava tomando café ao nosso lado. Demos um bom dia, mas o bofe estava meio de mal humor. Foram embora e deram espaço a outro casal que estava chegando e nem nos cumprimentaram. Nem precisei ser adivinho para acertar que eles eram de Belém. É realmente gozado ver esse tipo de comportamento, nesse nível de arrogância. Do que adianta terem status e diploma, se não tem algo que considero primordial num ser humano: a educação?! Será que eles juram que fazem parte da aristocracia de Downtown Abbey? Seriam se fossem educados. Quem sabe, quando eu entender o que eles querem de fato, falar com você. Quer dizer, veja, por exemplo, o sotaque deles. Você não sabe se é carioca, ou maranhense, ou goiano. É uma autêntica (risos) torre paraense de Babel. Comentei com Juçara a respeito e tomei como base os vários belenenses que moram em meu prédio. São tantos que às vezes acho que estou (risos) numa verdadeira república de Belém em plena Pauliceia. E com esse mesmo tipo de comportamento. Mas pensando numa bela frase já dita pela Gisele Bunchen: CAGUEI. Nos levantamos e fomos  nos arrumar para o roteiro do dia.



O guia não passou para nos recepcionar e nos dar opções de passeios. Perguntei a Sávio se ele tinha o contato do guia e Sávio não estava com o celular dele. Aí perguntei se ele conhecia outro guia e Sávio respondeu negativamente. Em qualquer pousada que se preze, acho necessário o gerente nos orientar sobre o que fazer, ou pelo menos dar indicações de quem faça algum roteiro com os turistas. Mas não esquentei. Juçara e eu fomos até o porto. Ficamos comentando a respeito desse deslize, mas nada que mudasse nosso humor.

A sorte voltou a ficar ao nosso lado quando chegamos ao porto. Encontramos Alexandre, o rapaz que levou nossa malas até a pousada quando chegamos em Algodoal. Ao lado dele, estava um rapaz curioso com nossa chegada, usando óculos Ray Ban de armação lilás. Ficou nos observando quando perguntamos para Alexandre se ele conhecia algum guia para nos levar até a praia de Fortalezinha. Já tínhamos escutado a respeito dessa praia. Antes de Alexandre responder, o tal garoto entrou em minha frente e disse que nos levaria. E ficamos naquela cena de olhares, um para cara do outro. Perguntei o preço e ele deu o seu valor (Passeio: R$100 para 2 pessoas). Achei razoável, mas fechamos. O tempo passava rápido e a gente queria curtir.


Aperte o play e viaje com a gente

Começamos nossa caminhada, idealizando uma viagem sem rumo em minha mente. Frank estava na dele, nos observando, afinal de contas, não é todo dia que ele faz um passeio com duas “travas” (risos).  E eu estava bem pintosa, com um chapéu Dolce & Gabana e minha canga de mandala azul. Resolvemos quebrar o gelo, entrevistando o rapaz. Ele nos deu informações básicas sobre o roteiro do passeio. Nos falou que morava numa vilazinha ao lado de Algodoal. Apesar da conversa morna, quem realmente quebrou o gelo foi ele, quando nos falou que recentemente tinha levado um casal para curtir o passeio e que “eram dois homens”. A partir dali, Frank já tinha nos conquistado.  Com apenas 22 anos, já é pai de família: casado, tem 2 filhos. Elogiei o óculos Ray Ban que estava usando, disse que era bem estiloso. Ficou cheio de graça, dizendo que era pra atrair as menininhas da ilha. Juçara perguntou o tempo da viagem e Frank respondeu que levaria 40 minutos até a Praia de Mococa. De lá, deixaríamos o barco para caminharmos até a vila de Fortaleza, pegar outro barquinho para atravessarmos e chegarmos até a Praia de Fortalezinha.

Depois de um bom bate papo, ficamos em silêncio, casa um a sua maneira. Foi um momento de esvaziar totalmente a minha mente, sem pensar em nada, nem ninguém. Só queria ouvir o barulho da água batendo no casco do barco. Frank intervia para observarmos ao nosso redor: passou pelo mangue, apontou por onde os pescadores criam armadilhas para atrair os peixes e no fim de tarde, pegar o pequeno cardume que fica preso na emboscada; e por muitas vezes, graças a Deus, nos mostrou diversas espécies de pássaros, com destaque para o guará, um pássaro de penugem vermelha, um verdadeiro súdito imperial do mangue. Quando Frank terminava com sua intervenção, eu novamente entrava em alfa, sentindo a energia do sol, a força do vento em nossas caras, a suavidade refrescante do mar. E no mais profundo silêncio interior, em estado de contemplação com a natureza.


Depois de 40 minutos, chegamos em nosso primeiro destino, a Praia da Mococa. Tinha uma família brincando na água. A praia em si não é muito atraente. Do outro lado da praia, a cidadezinha bem bucólica de...Mococa. Frank nos disse que dessa cidade saía barcos para outras cidades litorâneas, incluindo Salinópolis, nossa próxima empreitada em nosso roteiro turístico. Junto com a gente, chegou outro barquinho, do mesmo tamanho que o nosso. E com dez pessoas. Quase obesas. Quer dizer, uma correção. Quase todas obesas (risos). Não sei como o barco não virou. Isso realmente me chamou a atenção.


Quando saímos do barco, senti dores na região onde operei, again, pelo fato de ter ficado na mesma posição durante a viagem. Juçara ficou preocupada, mas disse para irmos adiante. Estava um sol forte, mas nada que um chapéu Dolce & Gabana e um protetor La Roche-Posay não resolvesse a situação.  Fomos caminhando até a vila de Fortaleza. A Fat Family  do barquinho que chegou conosco resolveu pegar outra trilha, por dentro da vila de Fortaleza. Nós preferimos o atalho, mas Frank nos falou que levaria a gente na volta para conhecer melhor a região.

Assim que chegamos, um break no quiosque para nos refrescarmos com água de côco. Tirei meus óculos e ficamos vislumbrando a paisagem ao redor. A Praia de Fortalezinha estava a poucos metros de nós, mas era necessário aguardarmos algum caiçara para nos levar de barco até lá. Percebi que Frank não tirara seus óculos. Isso me atiçou uma certa curiosidade por um momento, quando o dono do quiosque colocou um system para escutarmos carimbó. Perguntei para Frank o que ele curtia de som. Foi enfático em dizer que gostava do som da sua terra. Nos falou também que seu pai tinha um grupo de dança em Algodoal, onde ele tocava tambor.  Nada mais prazeroso do que ouvir um garoto ter orgulho de sua cultura. Depois de um repertório de carimbó e ainda aguardando o caiçara chegar com seu barco, o set list do system mudou drasticamente de estilo, só com medalhões da MPB. Com direito a ouvir, em plena boa terra de ninguém, o zumbido de uma Abelha.


O caiçara chegou, embarcamos até Fortalezinha. Foi muito rápido a travessia, uns 7 minutos. Frank pediu para, caso entrássemos no mar, para ficarmos apenas até a água chegar em nossa cintura. Ju e eu  reverenciamos o mar, para colocarmos nossa pele a bronzear. Não ficamos muito tempo, pois Frank estava preocupado com a maré. Valeu pelo visual.



Na caminhada de volta até o barco, entrei em contato com Nelyssa, a taxista que nos levou até o Porto de MArudá, para acertar com ela o transfer até a cidade de Castanhal, de onde pegaríamos algums condução para Salinas. Naquele meio do nada, consegui me comunicar. Enquanto Ju caminhava com Frank, fiquei tirando fotos. E a Natureza me deu um tapa de luva de pelica por causa do desdém que tinha feito com a prainha de Mococa e que me presenteou com uma belíssima foto que me fez tombar.



Fiquei com dores até voltarmos a Algodoal. Assim que desembarcamos, uma boa supresa: encontramos Alexandre, que tinha levado nossas bagagens até a pousada. Nos perguntou do passeio e eu disse que o que mais tinha me emocionado era o trajeto de barco. Papeamos um pouco até saber que Alexandre tinha um apelido - Passarinho. Não entendi o motivo do apelido porque ele não parece em nada com um. Nos despedimos de Frank, que estava ansioso em também saber sobre o passeio. Agradecemos a ele pelo dia e principalmente pela sua companhia agradável. No caminho até a pousada, disse a Juçara que tinha descoberto o motivo de Frank não ter tirado seus óculos em momento algum: durante nosso descanso no quiosque, vi que Frank era cego de um olho.  Antes de nos despedirmos, ficamos de trocar contatos. Um menino sofrido, batalhador, responsável e que certamente terá sempre oportunidade de guiar os turistas com sua sensibilidade nata. É o que eu espero.