Já estava com saudades de se fazer um roteiro cultural
em Sampa. Aproveitar o fim de semana, ficar soltinho pela cidade, aguentando o
calor infernal, mas sem perder o ânimo de otimizar meu tempo para curtir o que
a cidade tem bastante para oferecer. Acordei ainda com tempo de curtir uma
preguicinha na cama. Peguei o Guia para dar mais uma folheada sobre o que
fazer. Me levantei e decidi colocar um som com muita testosterona para manter meu
ânimo durante o dia.
Estava tão melado de suor que a salvação foi tomar uma
bela ducha, ao som dos riffs de guitarra clássicos de Angus Young e sua trupe. E
dá-lhe flan de açaí, da Boticário para deixar a pele macia e refrescante para
se soltar na rua. Não, isso não é uma propaganda da marca (risos).
Pra dar um start, um belo café da manhã na Padaria Bella
Buarque. Já estou virando cliente assíduo de lá. São bons no atendimento, além
da rapidez com os pedidos. Com o estômago forrado, criei coragem para ir
caminhando até a Praça das Artes, na exposição da Mafalda.
Eu amo perambular pelo centro da cidade de São Paulo.
Ver os prédios antigos, alguns intactos, mas a maioria deles em condições
deploráveis. É impressionante ver que até a decadência torna a paisagem urbana
da cidade um tanto peculiar. Eu consigo ver beleza nesses prédios, de alguma
forma. No labirinto da cidade grande acabei saindo no Teatro Municipal de
Sampa. Como nada se vem ao acaso, vi um banner imenso informando a programação
de óperas. Entrei rapidamente para me informar a respeito. Para minha grata
surpresa, ainda estava à venda alguns pacotes de assinatura. Não me fiz de
rogado e comprei um pacote que me dá direito a ver 6 obras, incluindo peças de
Tchaikovsky, Mozart e Wagner. E eu sou fraca?
E antes de chegar ao meu primeiro destino culturete de
ser, me delicio com uma obra de street
art em pleno Vale do Anhangabaú:
O que dizer sobre a exposição Mafalda? Primeiro, que foi
um acerto se fazer a exposição da Praça das Artes. Adoro a arquitetura do
espaço. A exposição em si é ok: algumas ambientações feitas, permeadas sempre
por várias tirinhas da personagem. Mas, de uma certa forma, a exposição me
tocou muito, pois vários elementos contidos nas obras serviram para me
sensibilizar sob o aspecto da nostalgia da memória afetiva. Complicado? Nem
tanto. Logo na entrada do espaço cultural, você já vê, logo de cara, um carro
Citröen e dentro deles a família da questionadora personagem. Era um veículo de
modelo popular, muito usado na Argentina nos anos 70 – período nebuloso da
economia na América Latina. Minha memória me levou, por uns instantes, aos meus
anos 70. Me lembrei de meu pai com sua Variant – nosso Citröen da vez, de cor
vinho e toda nossa dificuldade financeira. “Nossa” que eu digo é de uma forma
geral. Contentávamos com o pouco que podíamos (man)ter. Me fez lembrar que
comíamos o trivial durante a semana, o básico, mas o almoço de domingo era mais
pomposo. Tínhamos direito, neste dia, por exemplo, de degustarmos uma garrafa
litro de Pepsi. E eu sou totalmente solidário com Mafalda, quando a subversiva
criança se debate de nojo por causa da “sopa no jantar diário nosso de cada
dia”. Isso um dia foi real nas famílias sul-americanas. Minha mãe tinha que se
esforçar criativamente para me tapear em tomar sopa no jantar. E só para esclarecer:
a ostentação nossa de cada dia, nos anos 70 e 80 era acesso restrito. Para
poucos. Mafalda me deixou bem reflexivo, principalmente pela força
político-social que a personagem possui. Não a subestimem!
Próximo dali, na avenida São João, tem o Espaço Lâmina.
Tinha lido no Guia sobre uma exposição por lá. Como pensei em visitar lugares
que ainda não conhecia, decidi bater perna por lá. É bem próximo da Praça das
Artes. Atravessando o Vale, pela São João, um grupo de pagode bem animado numa
roda de samba, cantando “Tristeza”, de Vinícius de Morais. O público do bar
estava um pouco caído, afinal o calor no meio da tarde estava beirando o
insuportável. Achei o número 108, já com um certo estranhamento do local. Na
porta minúscula de entrada um cartaz com os dizeres: aprenda a atirar. Até
pensei que era alguma intervenção artística, mas me enganei. Era um anúncio
para curso de vigilantes. No mínimo curioso. E o lugar era bem estranho, tudo
estava fechado e eu não sabia pra que lado ficava o Espaço Lâmina. Só o subsolo
estava aberto, mas como o cartaz indicava que o curso acontecia “lá embaixo”
preferi não arriscar. De repente, um senhor japonês apareceu do nada, saindo de
alguma dimensão. Eu perguntei a ele sobre a exposição. Ele me informou que para
entrar no espaço cultural, teria que agendar antes. Como essa informação não
tinha no Guia, decidi sair de lá. Aliás, o senhor japonês foi muito simpático.
Ele me fez lembrar do Mestre Ancião de Libra, dos Cavaleiros do Zodíaco
(risos).