terça-feira, 11 de agosto de 2015



Chegamos ao Teatro Promon, no aguardo de “Bilac vê estrelas”. Tato foi buscar nossos convites, enquanto sentávamos para descansar. Em frente à porta de acesso ao teatro, que ainda estava fechada, tinha uma espécie de um negócio que não sei bem o nome. Digamos que seja (risos) uma “intervenção” para o público entrar no clima, na atmosfera do espetáculo: a reprodução de dois personagens da peça sem o rosto. Bingo. Pra você adentrar ao mundo de Bilac, bastava colocar seu rosto nesses buracos, dar um flash e pronto: poderia se divertir lindamente, postando sua performance no Instagram.  Como não me interessei em colocar meu rosto ali, com medo dele nunca mais sair de lá, fui tomar um café. Ju foi ao toilette e Tato me acompanhou. Chegando ao balcão, dois atendentes, um moço moreno canela e uma mocinha educada, porém apática. Não preciso dar detalhes para quem eu pedi um expresso com leite, não é mesmo? Perguntei ao mancebo “tem água com gás, gatão”? Ele sorriu e disse que sim. E me agradeceu pelo gatão. Tato pediu um cappucino. Decidi não pedir nada e fiquei me divertindo, flertando com o bofe. Nos sentamos, quando Juçara voltou do toillette. Ficamos sentados, ouvindo um som alto, dentro da plateia. Como adoro observar o que está em volta, fiquei na espreita, até que me levantei e disse a eles: “Vou ao toillette. Não dêem a Elza nas minhas coisas, heihn?!”(risos). Passei novamente pela cafeteria, peguei meu expresso com leite, flertei mais um pouco com o guapo do balcão, mas já estava um pouco cheio e achei melhor voltar ao meu acento.

Ju e Tato ficaram tirando fotos. Fiquei sentado vendo a peripécia deles, quando me atentei a um fato no mínimo surreal: vi um casal sentado e a mulher tirava várias fotos deles, sempre em frente a algo. Ela tinha a missão de criar o ambiente pra foto ficar bacana. Ficava pedindo para o marido ficar do jeito que ela queria pra foto sair bonita. Até aí, morreu Neves. Só que (risos) ela começou a andar com esse marido por todos os cantos do foyer, incluindo a tal “intervenção” no meio do saguão. Fez o coitado enfiar a cabeça dentro do boneco. Mas ele era baixo demais. Ficamos inertes vendo a cena e o desespero do moço por notar o constrangimento que poderia estar causando. Se bem que (risos) ele não deveria ter tido esse tipo de preocupação. É que (risos) ele era cego. Mas eu juro que não ri da situação. Ok, ri um pouquinho, mas mentalmente. Disfarcei bem.



A porta da sala se abriu e entramos aos nossos lugares. A Ju me contou que o Tato tinha feito a preparação vocal da Amanda Acosta, uma das atrizes do grupo. Ela participou de um grupo infantil famoso nos anos 80. Pausa para um nomento insight de um devaneio nostálgico da minha infância e pré-adolescência



A sala não estava lotada, mas cheia. Ficamos conversando, rindo bastante enquanto o espetáculo não começava. Do nada, desceu uma tela que imaginamos que seria para falar sobre as normas de segurança. Porém, para nosso espanto, começou a rodar um vídeo sobre tratamento de câncer. Imagine você ir com sua família, assistir a uma peça jovial, alegre, para colorir o dia e eles colocam (risos) pessoas com essa doença nociva. E a cara de desolação delas. É pra traumatizar qualquer criança que estava lá. Nada mais sutil. Realmente o bom senso foi sepultado naquele momento.



E o espetáculo realmente me cativou. Apreciei cada minuto da história, sem olhar para o tempo. Fugia totalmente desse padrão horrendo de Broadway, que a maioria dos musicais brasileiros adoram mostrar. “Bilac vê estrelas”, graças a Deus vai na contramão dessa subserviência colonialista que temos frente ao império ianque. É uma peça com elementos da cultura brasileira. Personagens genuinamente brasileiros, como José do Patrocínio, Santos Dumont e o vesgo Olavo Bilac. O enredo simples tinha tudo para derrubar a montagem, mas com uma direção impecável, com ótimo cenário, bons figurinos, com uma narrativa ágil e elenco bem afiado em toda a variedade de linguagens utilizadas pela trupe, seja na música, na dança e na interpretação cênica. Foi um colorido necessário para a tarde cinzenta e nublada que fazia.

Ao final, muitos aplausos e elenco emocionado. Eram as últimas apresentações da peça. Ficamos aguardando Amanda sair. Ela abraçou fortemente Tato. Estava apreensiva em ver seu tutor ali, assistindo sua aluna. Ele rasgou elogios. Eu a abracei e agradeci a ela pelo colorido que ela tinha colocado pra gente. Estava visivelmente emocionada. Nem me lembrava como tinha conhecido, apesar da música do Trem da Alegria ficar martelando durante todo o tempo que ficamos conversando. Tem horas que a atemporalidade serve como uma brisa boa, sem a gente se preocupar com a realidade. Que bom que a imaginação existe.


Saímos em direção à avenida para pegarmos algum ônibus que nos levasse à região central. Sou péssimo na geografia da cidade e não fazia idéia de onde estávamos. Pegamos o primeiro que vimos, pra variar. O cobrador era um charme. Perguntei ao motorista por onde ele ia e nos respondeu que entraria na Brigadeiro Faria Lima. Tato sugeriu de descermos no ponto da estação Faria Lima, do metrô. Tentei criar um texto com o cobrador, que dizia que era jogador de futebol. Até queria pegar o contado dele, mas ele falava muito alto e poderia queimar o filme. Imagine eu perguntando se ele poderia me passar seus contatos e ele dissesse AH, CLARO QUE EU TE PASSO MEUS CONTATOS (risos). Poderia ser apedrejado, não? Decidi deixar a imaginação fluir: com ele, com o moço do café, com Bilac, com Tato e com Juçara. E realizando bem esse dia.