Chegamos
ao Teatro Promon, no aguardo de “Bilac vê estrelas”. Tato foi buscar nossos
convites, enquanto sentávamos para descansar. Em frente à porta de acesso ao
teatro, que ainda estava fechada, tinha uma espécie de um negócio que não sei
bem o nome. Digamos que seja (risos) uma “intervenção” para o público entrar no
clima, na atmosfera do espetáculo: a reprodução de dois personagens da peça sem
o rosto. Bingo. Pra você adentrar ao mundo de Bilac, bastava colocar seu rosto
nesses buracos, dar um flash e pronto: poderia se divertir lindamente, postando
sua performance no Instagram. Como não
me interessei em colocar meu rosto ali, com medo dele nunca mais sair de lá,
fui tomar um café. Ju foi ao toilette
e Tato me acompanhou. Chegando ao balcão, dois atendentes, um moço moreno
canela e uma mocinha educada, porém apática. Não preciso dar detalhes para quem
eu pedi um expresso com leite, não é mesmo? Perguntei ao mancebo “tem água com
gás, gatão”? Ele sorriu e disse que sim. E me agradeceu pelo gatão. Tato pediu
um cappucino. Decidi não pedir nada e fiquei me divertindo, flertando com o
bofe. Nos sentamos, quando Juçara voltou do toillette.
Ficamos sentados, ouvindo um som alto, dentro da plateia. Como adoro observar o
que está em volta, fiquei na espreita, até que me levantei e disse a eles: “Vou
ao toillette. Não dêem a Elza
nas minhas coisas, heihn?!”(risos). Passei novamente pela cafeteria, peguei meu
expresso com leite, flertei mais um pouco com o guapo do balcão, mas já estava
um pouco cheio e achei melhor voltar ao meu acento.
Ju
e Tato ficaram tirando fotos. Fiquei sentado vendo a peripécia deles, quando me
atentei a um fato no mínimo surreal: vi um casal sentado e a mulher tirava
várias fotos deles, sempre em frente a algo. Ela tinha a missão de criar o ambiente
pra foto ficar bacana. Ficava pedindo para o marido ficar do jeito que ela
queria pra foto sair bonita. Até aí, morreu Neves. Só que (risos) ela começou a
andar com esse marido por todos os cantos do foyer, incluindo a tal “intervenção” no meio do saguão. Fez o
coitado enfiar a cabeça dentro do boneco. Mas ele era baixo demais. Ficamos
inertes vendo a cena e o desespero do moço por notar o constrangimento que
poderia estar causando. Se bem que (risos) ele não deveria ter tido esse tipo
de preocupação. É que (risos) ele era cego. Mas eu juro que não ri da situação.
Ok, ri um pouquinho, mas mentalmente. Disfarcei bem.
A
porta da sala se abriu e entramos aos nossos lugares. A Ju me contou que o Tato
tinha feito a preparação vocal da Amanda Acosta, uma das atrizes do grupo. Ela
participou de um grupo infantil famoso nos anos 80. Pausa para um nomento
insight de um devaneio nostálgico da minha infância e pré-adolescência
A
sala não estava lotada, mas cheia. Ficamos conversando, rindo bastante enquanto
o espetáculo não começava. Do nada, desceu uma tela que imaginamos que seria
para falar sobre as normas de segurança. Porém, para nosso espanto, começou a
rodar um vídeo sobre tratamento de câncer. Imagine você ir com sua família,
assistir a uma peça jovial, alegre, para colorir o dia e eles colocam (risos)
pessoas com essa doença nociva. E a cara de desolação delas. É pra traumatizar
qualquer criança que estava lá. Nada mais sutil. Realmente o bom senso foi
sepultado naquele momento.
E
o espetáculo realmente me cativou. Apreciei cada minuto da história, sem olhar
para o tempo. Fugia totalmente desse padrão horrendo de Broadway, que a maioria
dos musicais brasileiros adoram mostrar. “Bilac vê estrelas”, graças a Deus vai
na contramão dessa subserviência colonialista que temos frente ao império
ianque. É uma peça com elementos da cultura brasileira. Personagens genuinamente
brasileiros, como José do Patrocínio, Santos Dumont e o vesgo Olavo Bilac. O
enredo simples tinha tudo para derrubar a montagem, mas com uma direção impecável,
com ótimo cenário, bons figurinos, com uma narrativa ágil e elenco bem afiado
em toda a variedade de linguagens utilizadas pela trupe, seja na música, na
dança e na interpretação cênica. Foi um colorido necessário para a tarde
cinzenta e nublada que fazia.
Ao
final, muitos aplausos e elenco emocionado. Eram as últimas apresentações da
peça. Ficamos aguardando Amanda sair. Ela abraçou fortemente Tato. Estava
apreensiva em ver seu tutor ali, assistindo sua aluna. Ele rasgou elogios. Eu a
abracei e agradeci a ela pelo colorido que ela tinha colocado pra gente. Estava
visivelmente emocionada. Nem me lembrava como tinha conhecido, apesar da música
do Trem da Alegria ficar martelando durante todo o tempo que ficamos
conversando. Tem horas que a atemporalidade serve como uma brisa boa, sem a
gente se preocupar com a realidade. Que bom que a imaginação existe.
Saímos
em direção à avenida para pegarmos algum ônibus que nos levasse à região
central. Sou péssimo na geografia da cidade e não fazia idéia de onde
estávamos. Pegamos o primeiro que vimos, pra variar. O cobrador era um charme.
Perguntei ao motorista por onde ele ia e nos respondeu que entraria na
Brigadeiro Faria Lima. Tato sugeriu de descermos no ponto da estação Faria
Lima, do metrô. Tentei criar um texto com o cobrador, que dizia que era jogador
de futebol. Até queria pegar o contado dele, mas ele falava muito alto e
poderia queimar o filme. Imagine eu perguntando se ele poderia me passar seus
contatos e ele dissesse AH, CLARO QUE EU TE PASSO MEUS CONTATOS (risos). Poderia
ser apedrejado, não? Decidi deixar a imaginação fluir: com ele, com o moço do café,
com Bilac, com Tato e com Juçara. E realizando bem esse dia.