Depois de uma imposta reclusão, pude,
enfim, respirar o roteiro cultural de fim de semana em julho. Nem acreditava
que poderia dar minhas borboletadas pela rua, depois da trégua da deusa Hérnia. Até porque ser humano algum
aguentaria ficar sem o mínimo de prazer. Já estou pagando meus pecados pela
diminuição da libido. E ainda ter ficado em repouso por dias. Não pensei duas
vezes e apelei para minha santa de devoção, Santa Rita de Cássia, padroeira das
causas impossíveis. Pedi para ela deixar eu voltar a dar minhas perambuladas
culturais. Depois de alguns dias (ela gosta de me torturar um pouco) ela
aquietou a hérnia. E eu pude sair da toca. Achei que ela não me atenderia, pois
é temperamental. Acho que (risos) a chaga da testa dela não estava latejando
tanto.
Com o friozinho que a cidade
estava semana retrasada, tinha já combinado durante a semana com Juçara para
irmos ver uma peça. Ela queria me levar para assistir “Bilac vê estrelas”. É um
musical. E eu, digamos, não sou fã de musical. Mas para controlar minha
intransigência – com medo de ser castigado pela Santa de devoção, aceitei o
convite. Combinamos de nos encontrar na casa de um grande amigo dela, o Tato.
Ele é preparador vocal. Disse que iria almoçar antes e que me encontrava com
eles às 16h. Ju sugeriu que eu passasse na casa de Tato para pegá-los. Me
colei, ao som de um música que namorava perfeitamente com o clima bucólico que
a Paulicéia se encontrava no pós feriado de 9 de julho.
Na pressa, fui ao pátio
Higienópolis almoçar no Galetos. Sabe quando você fica com aquele gosto na boca
de um determinado tipo de comida e que só essa comida irá te saciar? Pois bem,
caminhei até lá para degustar o clássico galeto da rede. Quando cheguei estava
lotado, mas o mâitre rapidamente me atendeu e me colocou numa mesa bem
estratégica por sinal. Mas só tinha ebó de encruzilhada. Ninguém de
interessante. Tinha um casal de bichas velhas com aquele ar blasé. Elas não se falavam. Por falta de
assunto, começaram a ler os meus jornais. Só que eu ainda estava lendo. É tão estranho duas pessoas que possuem uma
relativa convivência não conversarem. Nem no celular mexiam. Quer dizer, acho
(risos) que eles nem sabem mexer no whatsap. São as agruras da intelectualidade
dos “filisteus da cultura”.
Santa Lady Gratham, rogai por nós
Foi aí que avistei uma pessoa de costas e
deduzi que a conhecia. Era Rosana, gerente de Ação Cultural do SESC. Fui até
sua mesa cumprimentá-la. Ela estava com sua mãe, que é uma fofa. Disse um oi e
ela retribuiu dizendo que já tinha me visto e que me daria um beijo na hora de
ir embora. Já estava pagando a conta. Sua mãe queria pagar, mas eu falei para
ela deixar a filha mimá-la. Quando voltei
para minha mesa, me lembrei que o primeiro projeto que cuidei quando
entrei no SESC foi com ela, na última edição do Movimentos de Dança. Foi um belo aprendizado. Principalmente porque
eu não sabia nada de dança. E foi aí que conheci a Juçara, por telefone. Ela é
um patrimônio histórico na história da dança em suas mais variadas vertentes –
clássica, moderna, contemporânea. Me deu uma senhora contextualizada sobre o
que é dança. De Merce Cunninghan à Marika Gidali. De Isadora Duncan, passando
por Trisha Brown, Pina Bausch e Hulda Bittencourt. Foi uma delícía de áudio
aula. Trabalhamos juntos anos depois no teatro do SESC Vila Mariana. Fui chefe
dela na coordenação da programação do teatro. E nos divertíamos horrores. Foi
lá que recebemos inspiração para criarmos alguns personagens que já cheguei a
comentar aqui no Diário (quer saber das nossas performances? clique aqui http://omundodelira.blogspot.com.br/2015/04/brumadinho-inhotim.html.)
Depois de saborear um belo
galeto, acompanhado de um bom vinho alentejano, fui caminhando pela avenida
Higienópolis, rumo à casa de Tato. Estava feliz por voltar a caminhar,
contemplar a arquitetura dos belos prédios, enfeitados por uma bela paisagem
arborizada. E eu nem imaginava no belo presente que foi esse dia, na volta do
insofismável roteiro cultural. (continua)