Depois de muito tempo sem motivação alguma para
desbravar a noite paulistana, o acaso pediu licença para me mostrar que ela –
soturna, bucólica e imprevisível, deu uma pequena melhorada. Combinei com
Ricardo de irmos assistir Irmãos de Sangue, com a companhia Dos a Deux, em
cartaz no Sesc Belenzinho. Cheguei um pouco antes, peguei meus convites e
fiquei aguardando. No saguão do Teatro, vi o ator Rodrigo Matheus, que continua
muy guapo. Eu o conheci em uma
montagem de Prometeu Acorrentado, no Teatro de Arena, em Ribeirão Preto. Me
lembro de ter ficado de boca aberta em ver todo o esforço corporal do ator, que
ficou preso em uma corrente amarrada a um carro de corpo de bombeiros. Sua
interpretação foi impecável. Me impressionou. Aproveitei essa cena de minha
memória afetiva para “homenageá-lo” depois que vi sua peça (risos). Depois
desse rápido flash, Ricardo chegou.
Cumprimentou seus colegas da classe artística. Me disse que aguardava sua amiga
Gloriette, que também iria assistir a peça. Quando Gloriette chegou, me lembrei
que a conhecia há muito tempo. E ela também se lembrou de mim. A noite só
estava começando.
O espetáculo durou quase duas horas, mas seguindo a
cartilha de uma professora de filosofia que tive na faculdade – “o tempo não
existe” – tive a sensação de ter ficado pouco tempo dentro do universo afetivo
proposto pela trupe. A peça narra, sob uma narrativa bem melancólica, o nascimento e
sepultamento de nossa memória afetiva, retratando o período nostálgico de nossa
infância. Nessa colcha de retalhos tão bem costurada, remeti aos meus tempos de
criança, onde tínhamos uma orientação da necessidade de vivermos no coletivo. A
necessidade de brincar; de competir com seus irmãos a atenção de sua mãe; a
dificuldade de se lidar com um “não” como resposta. E todas essas sensações,
estimuladas pela minha memória, impulsionada pela peça. Detalhe: não há nenhum diálogo no espetáculo. Ficamos tocados. Me lembro de Gloriette falando da
lembrança de seus pais e eu codifiquei bem sua sensibilidade. Nossos pais são
nossa base e a peça me fez reforçar que meus pais estão no “começo do fim”. Foi
dolorido pensar nessa questão. Durante boa parte de nossa vida, pensamos nessa
questão como uma hipótese. Mas a peça nos faz acordar para deixar claro que a sugestiva
hipótese que colocamos, como mecanismo de defesa para nossa perda, é fato. E
tudo visualizado de forma tão poética, que doeu menos do que eu pensava. O
grupo soube colocar esses assuntos com muita delicadeza, com muita
sensibilidade artística e estética. Término do espetáculo, pausa para meus
sais. Ainda bem que eles serviram um prosecco
depois. Cumprimentamos a trupe e os parabenizei pela lavada na minha alma, que
eles deram. Ficamos papeando, quando Gloriette recebeu um whatsapp de seu
marido Marquinhos. Ele estava nos aguardando em um bar estilo cabaré, quase em
frente ao Sesc Belenzinho. E a noite estava apenas começando.
Quer saber mais sobre a peça? Então corra. O espetáculo
ficará em cartaz somente até o próximo fim de semana. Prestigiem. E se joguem.