terça-feira, 21 de outubro de 2014


Depois de muito tempo sem motivação alguma para desbravar a noite paulistana, o acaso pediu licença para me mostrar que ela – soturna, bucólica e imprevisível, deu uma pequena melhorada. Combinei com Ricardo de irmos assistir Irmãos de Sangue, com a companhia Dos a Deux, em cartaz no Sesc Belenzinho. Cheguei um pouco antes, peguei meus convites e fiquei aguardando. No saguão do Teatro, vi o ator Rodrigo Matheus, que continua muy guapo. Eu o conheci em uma montagem de Prometeu Acorrentado, no Teatro de Arena, em Ribeirão Preto. Me lembro de ter ficado de boca aberta em ver todo o esforço corporal do ator, que ficou preso em uma corrente amarrada a um carro de corpo de bombeiros. Sua interpretação foi impecável. Me impressionou. Aproveitei essa cena de minha memória afetiva para “homenageá-lo” depois que vi sua peça (risos). Depois desse rápido flash, Ricardo chegou. Cumprimentou seus colegas da classe artística. Me disse que aguardava sua amiga Gloriette, que também iria assistir a peça. Quando Gloriette chegou, me lembrei que a conhecia há muito tempo. E ela também se lembrou de mim. A noite só estava começando.


O espetáculo durou quase duas horas, mas seguindo a cartilha de uma professora de filosofia que tive na faculdade – “o tempo não existe” – tive a sensação de ter ficado pouco tempo dentro do universo afetivo proposto pela trupe. A peça narra, sob uma narrativa bem melancólica, o nascimento e sepultamento de nossa memória afetiva, retratando o período nostálgico de nossa infância. Nessa colcha de retalhos tão bem costurada, remeti aos meus tempos de criança, onde tínhamos uma orientação da necessidade de vivermos no coletivo. A necessidade de brincar; de competir com seus irmãos a atenção de sua mãe; a dificuldade de se lidar com um “não” como resposta. E todas essas sensações, estimuladas pela minha memória, impulsionada pela peça. Detalhe: não há nenhum diálogo no espetáculo. Ficamos tocados. Me lembro de Gloriette falando da lembrança de seus pais e eu codifiquei bem sua sensibilidade. Nossos pais são nossa base e a peça me fez reforçar que meus pais estão no “começo do fim”. Foi dolorido pensar nessa questão. Durante boa parte de nossa vida, pensamos nessa questão como uma hipótese. Mas a peça nos faz acordar para deixar claro que a sugestiva hipótese que colocamos, como mecanismo de defesa para nossa perda, é fato. E tudo visualizado de forma tão poética, que doeu menos do que eu pensava. O grupo soube colocar esses assuntos com muita delicadeza, com muita sensibilidade artística e estética. Término do espetáculo, pausa para meus sais. Ainda bem que eles serviram um prosecco depois. Cumprimentamos a trupe e os parabenizei pela lavada na minha alma, que eles deram. Ficamos papeando, quando Gloriette recebeu um whatsapp de seu marido Marquinhos. Ele estava nos aguardando em um bar estilo cabaré, quase em frente ao Sesc Belenzinho. E a noite estava apenas começando.

Quer saber mais sobre a peça? Então corra. O espetáculo ficará em cartaz somente até o próximo fim de semana. Prestigiem. E se joguem.