quinta-feira, 23 de outubro de 2014


Roteiro cultural de fim de semana, pairando no ar. Me levantei, no último sábado, incentivado em fazer uma programação sem muita densidade. Soltinho e de preferência, sozinho. Queria me curtir um pouco. Perto do meu aparelho de som, alguns cds que tenho escutado sem parar. Por isso eu os deixo bem próximos. Minha audição, atualmente - fora a música clássica que sempre ouço, tem sido os anos 70. A década do desbunde, da transgressão estética e sonora, capitaneada pelo necessário movimento de contra cultura no final dos anos 60. E mais uma vez, foi com ela que abri bem o meu dia




Bethânia sabiamente já disse sobre a voz de Gal: um cristal. Analisando a obra desse Cristal muito bem lapidado, com discos ousados, onde ela pôde extravasar sua densidade vocal, ela lançou em 1974 o álbum “Cantar”, uma preciosidade joãogilbertiana. Fico pensando se Gal realmente tem a noção do tamanho de sua relevância evolutiva e revolutiva na música brasileira. Além de sua interpretação, com um repertório sofisticado, ela se cercou e apresentou para nós, reles mortais, músicos extraordinários, como Lanny Gordin, Jards Macalé, Luís Melodia, entre tantos outros. Fora sua exuberância, sua beleza hipnotizante. Essa sim, deve ter tido uma senhora pomba gira 3D (risos).

Me arrumei e fui em direção à padoca para tomar meu café, folhear os cadernos de cultura e dar uma olhada no Guia da Folha para traçar meu destino no fim de semana. Com o filtro no mode on, saí para pegar o metrô. Em direção à estação República, mudei de ideia e fui a um ponto de ônibus, na rua Consolação. O metrô tem estado lotado até no sábado. Como eu não estava a fim de ver o circo de horrores (já que eu vejo em dias úteis, nos vagões), optei em pegar um “bumba”. Apesar da falta de opção visual, queria sentir um vento em minha cara e contemplar o entorno. No caminho, passei por um gringo lindo, mas bem lesado. Tinha um cheiro forte de marijuana nele. Me embrulhou o estômago.

Me joguei na linha 875-A, sentei no fundo do bumba e continuei a ler os semanários de cultura. Na capa da Ilustrada, tive um choque de 220V: uma matéria sobre o lançamento de um livro sobre a influência e relevância musical de David Bowie. Olha a transgressão de novo, me perseguindo. De autoria de Peter Dogget, o livro - David Bowie: o homem que vendeu o mundo, passeia pela obra mais rica, revolucionária do Camaleão – os anos 70, analisando disco a disco. Estão notando a coincidência? Conspiração a favor é um bem necessário à minha saúde. E Bowie dispensa comentários. Para falar sobre ele, seria necessário no mínimo uns cinco textos para louvar sua existência na cultura e em minha vida. Dogget afirma que Bowie foi o artista mais polêmico, transgressor e revolucionário entre todos os artistas nos anos 70. Palavra de um grande pesquisador da cultura pop.

Segunda boa e agradável surpresa do dia: assim que o ônibus entrou na Avenida Paulista e eu ainda devorando a matéria sobre Lord David, vi uma legião de motoqueiros com suas Harley-Davidson cortando a avenida. Meu olhar fixou-se neles, dando uma pausa em Bowie, para eu ter uma bela contemplação visual. Enquanto o ônibus atravessava a avenida, a legião de motoqueiros continuava. Numa cidade em aceleração constante como Sampa, foi bonito ver pessoas nas calçadas parando para ver o “desfile”. Centenas de motos...a caminho de Neverland.

Desci na Avenida Domingos de Morais, um ponto antes do que eu deveria descer. Com o sol latente que estava, fui caminhando pela sombra até chegar numa travessa que teria que passar para chegar ao MUBA – Museu de Belas Artes, na Vila Mariana. Tinha visto no Google Maps que deveria entrar na Capitão Cavalcanti. Quando entrei na travessa, uma casa com arquitetura dos anos 70 (oi?) com um som alto, para todo o mundo ouvir. E adivinha qual era a música? Dica: um clássico dos anos 70 (risos)


O caminho até o MUBA foi uma atração à parte. Casas incríveis, com uma bela construção arquitetônica, fora a quantidade de árvores cercando esses casarões antigos. Enquanto me distanciava do apelo sonoro dos Bee Gees e me aproximando do final de meu trajeto por essa travessa encantada, voltei a ficar com o pé no chão, para chegar, enfim, ao Museu de Belas Artes. No cardápio cultural, Lothar Charoux com a exposição Razão e Sensibilidade. Austríaco, como Mozart. Já contou pontos a seu favor. Pela minha humilde percepção, notei que o artista cria e realiza suas obras, influenciado pelo expressionismo. Fiquei horas no museu, meditando em suas inquietações. Aproveitei e passei no Instituto de Arte Contemporânea, ao lado, para ver o acervo que eles possuem do Sérvulo Esmeraldo. Salve o resgate da nossa memória cultural! 

Pra quem não conhece a obra de Lothar Charoux e nem o MUBA, aconselho ir ao museu para desbravar sua obra. O metrô mais próximo é o Vila Mariana. Ah, e o trajeto da travessa Capitão Cavalcanti, com suas casas belas e imponentes estão incluídos no pacote.