Passei 3 meses em constante choque anafilático, logo
após meu período de férias. Com o período de aniversário chegando e o inferno
astral em forma de nuvem, jogando seus relâmpagos sobre meu jugo, me propus a
fazer alguns questionamentos. Em conversa com minha amiga Raquel, regado a um
bom vinho, ela me presenteou com uma ótima sabatina sobre o Yom Kipur – o Dia
do Perdão, dentro da tradição judaica. Um exame de consciência para você rever seus erros
através de seus atos, pensamentos e omissões. E a coincidência não poderia ser
melhor: o Yom Kippur foi celebrado no final de semana que completaria mais um ano
de vida. Como é bom o universo conspirar a favor. Fui me informar, pesquisar e
me preparar para uma profunda imersão espiritual. O resultado foi assustador e
surpreendente. Esse mergulho foi tão denso que essas chagas começaram a sair
pelo meu corpo. 10 dias doente, mas colocando toda essa sujeira pra fora.
Mágoa, ressentimento, tudo se esvaindo. E como doeu. Mas o mais irônico nisso
tudo é que no dia do meu aniversário, comemorado no último sábado, fui parar no
pronto socorro do Samaritano.
Imagine uma cena de curta-metragem: você entra no
hospital, fica olhando o tempo todo no visor para aguardar sua senha ser
chamada porque você não está com humor para estabelecer contato com ninguém à
sua volta. De repente, com sua imunidade baixa, vem em sua mente, como um
zumbido, uma música pop deliciosamente descartável que não sai da sua cabeça e ao mesmo tempo você para e fixa seu olhar de zumbi
para a tv, que está passando jogo. Na tecla mudo. E você questiona
mentalmente, com o restinho de força que lhe resta: cadê o closed caption?
(risos). Foi surreal.
Sua senha é chamada e você vai numa cabine estreita
(cabine 4, se não me falha a memória). Você é atendido por uma recepcionista
polida, que te recebe de uma maneira distante inicialmente - afinal, ela quer ir
embora, com aquela cara de indiferença pensando: “foda-se você e essa merda
toda. Quero ter ostentação” (risos). Ela pega sua carteirinha do plano de
saúde, seus dados, olha para o computador, tenta disfarçar sua cara de espanto,
continua séria e solta em tom sério a seguinte frase, seguida de um sorriso: “Feliz
aniversário!” (risos). Eu realmente fiquei sem ação. Não sabia se agradecia ou
se mantinha minha cara de quarta parede.
Passei por uma pré consulta para medir pressão e colocar
o termômetro para saber se estava com febre e o enfermeiro super simpático olha
pra sua ficha e solta: “putz, é seu aniversário. Meus pêsames!” (risos). Aí eu
perguntei se os pêsames era pelo fato de estar doente ou pelo fato de existir.
Ele não conseguiu depois disso construir sua linha de raciocínio. Ficou gaguejando. Mas foi um gentleman.
O resultado dessa epopeia foi ficar de molho em casa em
companhia de são Levofloxaxino. E muito líquido. Pode parecer que não, mas o
Yom Kippur foi essencial para essa minha limpeza. Agora estou pronto, soltinho
para mais um ciclo de vida. Será que eu chego?
E como sou uma nova pessoa, sigo o mantra de Margo Channing: