terça-feira, 17 de março de 2015




Depois de um breve período de hibernação, retorno ao meu convívio com meu diário virtual. Juntou-se a correria do trabalho, a vida política desse país que reforça meu estado de desânimo e descontentamento e situações que me fizeram ter um tremendo bode para escrever. Minha prioridade aqui é relatar o dia-a-dia de meu cotidiano. Tenho o cuidado de não transformar meus incômodos numa relação de terapia com o blog e com quem lê. Por mais irritado que eu ficara desde a semana passada, não me senti a vontade de vomitar minhas sensações. Nessas horas, preferi acautelar-me e esperar a raiva passar para poder até dividir as inquietações com quem lê esse pequeno espaço dedicado às peripécias da vida moderna.

A melhor maneira de aquietar a alma mediante ao stress com colegas e amigos é me jogar num bom roteiro cultural. Quis me priorizar. Vi peças, filmes, exposições apenas com a minha companhia. Foi uma boa forma de apaziguar a ira. A solitude foi mais que necessária para me fazer ficar de pé diante das adversidades. Ela me mostrou que a vida segue pra frente e que os conflitos são necessários para meu amadurecimento. E vamos pra next!


Para quem não teve a chance, valeu a pena ter acompanhado o MIT – Mostra Internacional de Teatro, em Sampa. Ótima curadoria feita no mapeamento das companhias teatrais em sua segunda edição de evento. Vi peças medianas e espetáculos que ofereceram para mim momentos de boas reflexões. Estava sentindo falta de assistir obras que me dessem um belo chacoalho para fazer uma justaposição com fatos ocorridos em minha vida pessoal no decorrer desses últimos dias. Para abrir as mesas de trabalho, fui ver A Gaivota, texto de Yuri Butusov, encenado pela companhia de teatro Satyricon, da Rússia. O espetáculo coloca em questão o desencorajamento do ator e sua autoflagelação em se torturar na concepção de seu trabalho artístico. Em resumo colocou-se em pauta se vale a pena desenvolver um trabalho cênico para instigar uma reflexão ao público que assiste. Um assunto que me interessou a princípio, mas a montagem em si não se tornou tão atrativa. Apesar da bela produção, o trabalho de ator da companhia não me convenceu na forma de se passar a mensagem proposta no texto de Tchekhov. E para me ajudar, acabei comprando ingresso para ver outra peça no mesmo dia, sem me dar conta que A Gaivota teria 4h45 de espetáculo e que eu não teria tempo hábil para assistir outra peça. Como A Gaivota não me comoveu e não me fez nenhum tipo de provocação saí do Auditório Ibirapuera depois do 3º ato (o espetáculo teve 4 atos), peguei o ônibus em frente ao parque para ir em direção ao Teatro João Caetano ver As irmãs Macaluso. As irmãs... fizeram comigo em apenas 1 hora de espetáculo o que A Gaivota não conseguiu fazer: me tombar. O curioso é que a montagem feita pela Compagnia Sud Costa Occidentale, da Itália mostrou que com o nada se faz tudo: uma história marcada pela simplicidade – a relação de um pai com suas sete filhas, com uma luz básica, apenas uma cruz como elemento cênico e um trabalho primoroso da direção em tirar das atrizes o sangue necessário para deixar a plateia toda atônita, graças ao trabalho de ator. Se Antunes Filho assistisse, acho que ele teria gostado.

Também vi Canção de muito longe, um monólogo sobre perdas e decepções. Fui com Jorge ver essa tão bem falada peça teatral. Mas assim que terminou, tive a sensação de ter visto um trabalho de conclusão de curso. Um monólogo cansativo, sem dar muita atenção à criatividade necessária na construção de um personagem tão interessante para se desvendar. Não saí nem um pouco mexido e isso me incomodou bastante. Mas acho que fechei meu ciclo de peças no MIT vendo uma bela obra-prima cênica que utilizou-se de efeitos visuais para contracenar com os atores presentes na montagem. Opus N.7, montagem do Laboratório Dmitry Krymov do Teatro da Escola de Arte Dramática de Moscou me deixou impressionado e mostrou que interpretação e efeitos visuais fazem uma bela química. Com dois atos, Opus N.7 mostrou o preconceito retratado na perseguição aos judeus soviéticos durante o regime de Stálin; e a censura sofrida pelo compositor russo Dmitri Shostakovich. E o que mais surpreendeu foi a forma tão poética em retratar a repressão. Apesar do intervalo longo – de 30 minutos, valeu cada segundo ter assistido uma peça para me fazer sair mexido. Foi inevitável pensar na atual massa reacionária brasileira durante a montagem. Espero que a mensagem passada pela companhia reverbere em cada pessoa que foi prestigiar o espetáculo. Estamos precisando urgentemente de lucidez. Resta saber se o efeito vai bater na consciência do espectador. Aguardando ansiosamente em posição de yoga.