Por mais doído que seja, e como forma de sair da minha
zona des-conforto, decidi remexer alguns escombros da minha cinzenta vida. Estava
mais do que na hora de fazer algumas sessões de choque para viver a vida em pé
e de cabeça erguida. Não que esteja tudo desabando, mas você acaba se
contaminando com fatos narrados em clima de “Cidade Alerta” que acabam te
nocauteando. E tudo numa mesma panela de pressão. Crise política e econômica
brasileira, o advento de uma direita política em países chaves da Europa, como
Inglaterra e França – essa última aliás, o berço da “liberdade, igualdade,
fraternidade”; junto ao kit, leio sobre as estratégias do Estado Islâmico em
recrutar jovens – brasileiros incluídos nesse pacote mortal, em nome de uma “Força Maior”; e a manipulação perigosa do dito Quarto Poder, entre outros fatos.
Enfim, situações que se mesclam com a sangria rotina do nosso cotidiano. Com
todos os exemplos mostrados, essas situações me fizeram perder meu humor – uma ótima
arma que gosto de utilizar para ser usada em qualquer situação, principalmente
nos textos que escrevo. Junte-se ao
caldeirão relação social em alerta amarelo, com amigos e familiares. Todos esses tópicos foram
necessários para eu levar um chacoalhão e pensar numa estratégia de sair desse
casulo nebuloso.
A melhor forma de sair dessa zona de conforto foi retomar
um horário para as leituras. Se a ideia é causar um choque, nada mais sugestivo
do que ler duas figuras literárias com tremendo poder de persuasão para me dar
o chacoalhão necessário: Clarice Lispector, com “A paixão segundo G.H” e “A
arte de escrever”, de Arthur Schopenhauer. Comecei a lê-los semana passada e
estou devorando cada palavra, cada vírgula para tentar trazer um benfeito,
mesmo que de forma visceral, para causar propositalmente uma tensão necessária
para uma reflexão. Schopenhauer mostra em seus ensaios que elementos como a
tensão são necessários para a condução do pensamento. E a forma de conduzir a
sua leitura é peculiar. Quando o leio, é como se visse ele falando, ou melhor,
esbravejando justamente pra gente se sacudir da nossa bolha. Não adianta nada
ficarmos com o “pensamento de si próprio”. O “erudito exemplar”, segundo ele,
precisa se permitir uma certa contaminação de outras ideias para reflexão e
possivelmente, uma conclusão sobre a ideia do pensamento em questão; se de um
lado Schopenhauer escancara nossa fraqueza e impotência em sequer demonstrarmos
nossa insatisfação em torno de uma mera ideia, do outro Clarice sugere uma maquiagem da vida
real, uma forma de nos blindagem para nossa autodefesa. Quer dizer, ela oferece
a alternativa, mas questiona se de fato vale a pena ilustrar ou omitir o seu “eu
real”. Pelo que li, ela demonstra encarar a realidade idealizada. É muita
informação pra quem quer sair da zona de conforto, creio eu. Estou ainda no começo das duas leituras,
esperando que no final eu consiga um antídoto para dar a volta por cima e ir
pra next.
Só pra fechar o texto de hoje, vi alguns colegas e, pasmem,
familiares postando no Facebook um boicote à novela Babilônia, que estreou a
semana passada. O motivo do boicote é para não darmos audiência a uma novela
que irá “destruir os valores da família brasileira”. E o que são os valores da
família brasileira? Quem é a família brasileira? Quer dizer, eu me incluo no
que se chama de família brasileira. Não tenho filhos, não sou casado e isso não
me faz ficar menor diante do empacotamento que se quer dar a um novo conceito
de família. Querendo ou não eu sou a minha família brasileira.
Em tempos de preconceito e equívocos por parte da
maioria das pessoas que infelizmente, conforme Schopenhauer diagnosticou há
mais de cem anos, devido a falta de leitura, como ferramenta à concepção do pensamento,
criaram-se equívocos perigosos na disseminação de ideias sem base em pensamento
algum. Jogar uma informação sem sequer ler é no mínimo um homicídio intelectual.
Não está em questão aqui o direito de se expressar, mas acho que cada um tem a
obrigação de argumentar a finalidade de tal postagem. E o que percebi foi que
nenhum de meus colegas e familiares contextualizaram o motivo do boicote. A
minha opinião a respeito é que eu não acho que a novela faça “apologia ao mal”.
Ela simplesmente escancara tudo que de fato acontece nessa sociedade hipócrita
da família brasileira. Se essas pessoas soubesse o que é metáfora, entenderiam
que Babilônia é o estado em que atualmente vivemos não só no país, como no
mundo todo. A obscenidade existe? Existe, sim e está diante de nossas caras: crimes
de corrupção, luxúria parlamentar, violência, um Estado deplorável e sucateado
diante desse lamaçal todo de escândalos, entre outras coisas que dariam
bastante texto só em exemplificar. Portanto, sem essa hipocrisia barata com o
boicote. Até agora, não vi argumento
nenhum na qual eu possa ao menos refletir a respeito. Se você não quer assistir
a novela, sem problemas: você pode simplesmente apertar o botão do controle
remoto e ver outra coisa. Se você gosta de novela e não quer ver Babilônia, tem
uma dica boa: hoje tem estreia de uma novela bíblica – Os 10 mandamentos, na Record.
Garanto que vai cair no gosto desses que querem tanto a moral e os bons
costumes da família cristã (risos). Ou não, já que na era de Moisés também existia corrupção, luxúria, ganância pelo poder, elementos que você encontra na trama de Gilbreto Braga. Mas como (risos) é uma novela bíblica, pode ser que faça a cabeça dessas pessoas pensantes de revista de fofocas. Mas o mais sadio seria você desligar a
televisão e ler um livro, aliás um argumento bem justificável para quem não
quer ver tv.
E se você que acha que gays que possuem uma relação
afetiva com filhos não entram no adequado ambiente familiar, um conselho: leiam
menos o livro dos Levíticos e leiam mais o Sermão da Montanha. É um ótimo
ensinamento para aprender o que é respeito ao próximo.