segunda-feira, 23 de novembro de 2015


Comprei ingresso para assistir ao concerto da Osesp e tive uma sorte grande na hora da compra: tinha um lugar, central, na plateia elevada da Sala São Paulo. Nem acreditava que teria uma visão bem privilegiada. Não quis chamar ninguém para ir comigo. Prefiro contemplar a música clássica curtindo a solitude. Só fiquei um pouco tenso com o ingresso, que chegou apenas um dia antes data do concerto. 

Saí um pouco mais cedo para poder tomar uma ducha e me arrumar. Me colei e sai para pegar um táxi, próximo a meu apê. O taxista era um daqueles velhos chatos que mais rulminam do que falam. Pegou a Duque de Caxias, mas ficou do lado direito da avenida. Por um lado foi bom pois do lado esquerdo tinha um congestionamento. Porém, ele precisou me deixar do outro lado da calçada da Sala São Paulo (táxi – R$10,50, mas paguei R$10). Aí tive que me atirar na avenida para os carros pararem, para poder atravessar. Já estava um pouco irritado porque já estava suando devido ao calor. E não havia uma maldito ar condicionado no carro daquele velho com lábio leporino. Estava com uma bolsinha para guardar celular e carteira, essas bem de menininhas (risos). Cheguei na entrada e pedi informação ao segurança sobre onde entrar e ele com um olhar desconfiado, deu a resposta me orientando a entrar e virar à esquerda. E a Sala São Paulo, como sempre imponente, impecável e de brilhante arquitetura.


Passei batido pelo café e fui em direção à livraria. E do nada vem aquela vontade desenfreada de comprar. Me atentei à biografia de Gustav Mahler e perguntei ao vendedor se ele tinha a biografia de Tchaikovsky que estou há séculos querendo comprar. Ele prontamente me mostrou o livro com uma foto linda de Piotr. E muito bem produzido: livro de capa dura, belo prefácio, uma beleza minimalista na contra capa, elementos que se utilizam da sedução para você se tentar a comprá-lo. Quando esquivo meu olhar em outra direção, outra tentação babilônica: o livro Alucinações Musicais, de Oliver Sacks. Mas segurei a onda, afinal de contas, não queria ficar com as mãos ocupadas.

O segundo sinal soou e fui me recolher em meu assento. Nem acreditava na visão que eu tinha. Olhei para o lado e vi uma senhora com o programa. E eu que não queria ocupar minhas mãos, indaguei em minha sã consciência: “Cadê o programa”? Fui correndo comprar um. Deu tempo de voltar a meu lugar e ainda dar uma lida na vida de Richard Strauss. O bacana de ver a orquestra executar as obras de dois grandes e distintos compositores da música clássica é que há um fio condutor na execução dessas peças: ambas retratam o herói romântico. E ver duas formas brilhantes e diferentes de execução sobre o destemido herói é uma oportunidade rara, que não dá para desperdiçar.

Antes de dar início na apresentação, o maestro Fabio Mechetti saiu um pouco do roteiro, executando com a Osesp uma obra de Camargo Guarnieri em homenagem ao povo de Mariana com aquela tragédia terrível do rompimento criminoso da barragem. E que até agora não há punição dura aos responsáveis, leia-se Vale e Samarco. Que Deus nos proteja. Feita a devida homenagem, só me restava fechar os olhos...e meditar.


Na primeira parte do concerto, uma obra baseada no incestuoso poema “Manfred”, de Lord Byron. Fiquei imaginando como deveria estar o estado de Schumann quando ele terminou de criar essa divindade sonora. Enquanto escutava atentamente o ecoar de cada instrumento entrando em minha audição, me veio à mente lembranças da minha infância, do quanto era duro sobreviver numa época de tamanha recessão. E esse herói romântico na visão de Schumann mostrando em cada acorde melancolia e serenidade. Fiquei com o corpo relaxado e a alma mansa. Intervalo para o café.

Na segunda parte do programa, pensei, enquanto tentava chegar ao meu lugar e com uma manca na minha frente. Fiquei me questionando se a calmaria proposta por Schumann fosse proposital a orquestra apresentar, como uma espécie de estratégia. Pois minha intuição não falhou.

Apesar de ser mais conhecido pelas suas óperas, sempre polêmicas e muito reconhecidas, Richard Strauss costuma proporcionar momentos de catarses, dada à sua forma inusitada intempestiva de compor. Strauss compôs o poema sinfônico “Uma vida de herói”, uma purgação desesperadora que mostra toda a vulnerabilidade e instabilidade do herói, visto pelo compositor. Foram 45 minutos de pura tensão. Não foi à toa que decidiram deixar Strauss por último. É uma obra difícil de degustar. Tanto que houve uma pequena evasão no início da obra. A audição teve a participação do violonista alemão Daniel Müller-Schott, um jovem muito talentoso e promissor. Assim que o concerto acabou, senti minhas costas contraídas, de tanta tensão que Strauss me deixou. Vi ligações de alguns queridos. Juçara tinha me ligado. De táxi até chegar em casa para retornar os telefonemas.