quarta-feira, 11 de novembro de 2015


Depois de algumas semanas mantendo a vibe pós-férias, achei que estava mais do que na hora de me inquietar um pouco. E nada mais propício do que aproveitar o roteiro cultural para algo mais...cirúrgico. Juçara tinha sugerido para que eu fosse assistir “A pele de Vênus”, do Roman Polanski. E Polanski sabe como ninguém incomodar o espectador.  Liguei para Clau para combinarmos em assistir e marcamos nos encontrar para a sessão das 21h30 no Reserva Cultural, apesar de eu detestar a sala de exibição de lá. O áudio é muito comprimido, fica muito abafado de se escutar o filme. Mas pela falta de opção, decidimos fazer o sacrifício de ir no Reserva. Como só nos veríamos à noite, me programei para fazer algo durante o dia e na procura por algo que me instigasse, escolhi dentre as opções que marquei no Guia da Folha em ver a produção chilena “O Clube”. Tudo bem de ser cinema também, assim eu aproveitei para colocar a o roteiro cinéfilo em dia. E para meu azar, só havia sessões no Reserva Cultural. O sacrifício nesse dia foi em dobro.


Cheguei 40 minutos antes para garantir o ingresso. E pra variar, o preço dos ingressos continua bem salgado. Peguei meu ticket e fui tomar café na boulangerie do Reserva. Os atendentes são até educados, mas muito lentos. Fora que você fica no balcão aguardando seu pedido e assistindo de camarote a troca de farpas entre eles. Pura commedia dell arte tupiniquim. Peguei meu pão de queijo e expresso e me sentei para observar a fauna em minha volta. É triste você se deparar com o mal gosto das pessoas para se portar de forma tão deselegante. Elas falam alto, quase gritando, sem necessidade de você se exaltar, afinal de contas o espaço da boulangerie é pequeno e eu não sou obrigado a ficar ouvindo mediocridades da modernidade tardia. E o figurino, então? A mulherada toda desfilando, umas parecendo que estavam no tapete vermelho do Oscar, o que acho over demais para ver “apenas” uma sessão de cinema. E outras pareciam que estavam vestidas para ir a um frigorífico. E tem gente que ainda tem esperança na evolução humana. Pit stop para o toilette.


Entrei na sala, direto para meu assento. Tenho o hábito de comprar sempre na quina, no canto das fileiras. A sala estava com um público considerável. Pelo que percebi olhando para a cara de alguns, estavam no pique de se torturarem um pouco.

E o filme começa dando a sensação de que não pretende criar nenhuma sensação de alívio para nós, estranhos “pacientes” à procura de um antidoto. O diretor, Pablo Larraín, afiado com seu bisturi, dissecou a vida de seus personagens sem direito a qualquer justificativa para a penitência de suas ações. A trama se passa num vilarejo ao sul do Chile, numa comunidade totalmente jogada e excluída do mapa, de sua existência. E é nesse vilarejo que convivem alguns padres em um casarão antigo, sob o zelo de Irmã Mônica. Apesar de não se ter ideia do que pode vir a acontecer, o diretor deixou pistas para termos uma noção do que aguardar. Para que eu chegasse à conclusão do desprezo impresso a essa comunidade, a fotografia do filme ajudou  bastante a revelar o que o enredo da história iria oferecer. O tempo nublado ampliou o tom cinzento e sombrio utilizado na composição fotográfica da trama. Aos poucos, foram apresentados os padres com suas aparências rancorosas, amargas e sem perspectiva alguma de vida. E a cirurgia veio logo no início do filme, quando chega um outro padre para se juntar ao grupo. No momento que estão conversando, eles escutam um homem do lado de fora aos gritos, proferindo algumas obscenidades envolvendo o padre que acabara de chegar. Com receio do casarão ser invadido, um dos padres já residente oferece uma arma (aqui a primeira questão: por que haveria uma arma com o grupo de padres no casarão?). O novo hóspede pega a arma e sai para fora, ao encontro do missiva. E algo inusitado acontece. A cirurgia pedida no começo desse texto veio mais cedo do que eu queria.


Com o acontecido que eu não irei falar, o espectador começa a descobrir as histórias que envolvem a vida de todos os padres e da freira zelosa, através de outro padre, do tipo Inquisidor da idade Média, que chega ao casarão para descobrir sobre o ocorrido e, sempre desconfiado, acaba fazendo uma investigação com todo o grupo. Foi uma bela sacada do diretor em colocar um ator lindo, daqueles que chamam a atenção, para fazer o papel do Inquisidor. Percebi que o diretor quis criar uma relação de proximidade entre o inquisidor e nós, reles mortais espectadores. E o resultado deu certo: à medida que o inquisidor ganhava espaço na trama, criava-se uma intimidade a ponto de acompanharmos juntos, na condição de meros ajudantes do terapeuta mor da Inquisição, a descoberta do real motivo que levou o grupo de padres a se isolar nesse vilarejo. Foi como você tomar um comprimido e ele entalar em sua garganta.  O bom roteiro também ofereceu pequenas subtramas no enredo para exercitar o lado negro da força de sadismo do diretor. 

Com o final do filme, as pessoas saíam da sala sem dar um pio. Saí com o corpo doído, tenso, por culpa do padre inquisidor galã, que me fez cair propositalmente nas suas garras para que eu o acompanhasse em suas intervenções cirúrgicas. Mérito do roteiro bem elaborado, do elenco bem entrosado e da direção minuciosa de Pablo Larraín, um jovem extremamente inquieto e provocador. Pra quem dirigiu filmes como “No”, de 2012, onde se cutucava com varas curtas a ditadura de Pinochet, merece toda a minha atenção e desejo de uma carreria promissora.


Depois dessa jaca caída em minha cabeça, decidi ir almoçar, refrescar a cabeça e guardar as energias para a próxima imersão: “A pele de Vênus”, de Roman Polanski. Acho que vou precisar de uma dose cavalar de Floral para aguentar.