segunda-feira, 16 de novembro de 2015


Saí atordoado da sessão do filme “O Clube”. Resolvi caminhar pela Paulista sem rumo, precisava respirar e meditar sobre a porrada angustiante que passei durante a exibição (clique para saber mais a respeito do filme "O Clube" - http://omundodelira.blogspot.com.br/2015/11/depois-de-algumas-semanas-mantendo-vibe.html). Resolvi ir pra casa descansar um pouco.

Me colei e saí para pegar o subway  no horário combinado com Clau para ver “A pele de Vênus”. Como Polanski tem uma maneira visceral de construir a narrativa de seus filmes, achei que ter descansado me fez recuperar a energia para ter fôlego na próxima sessão. Saí  a caminho do metrô pra lá do Mundo de Alice. Assim que desci na estação República para pegar a linha 4 – amarela, fiquei olhando as pessoas, isoladas dentro do seu mundinho 3G e fiquei reparando nos olhares cansados, pesados, sofridos do cotidiano de suas vidas. Quer dizer, eu não sabia nada a respeito delas, mas o olhar entrega tudo, não? Subitamente veio em minha cabeça uma música do Fred Schneider chamada “Monster”, que fez relativo sucesso aqui no Brasil nos anos 80. O refrão pegajoso ficava repetindo a palavra “Monster” e reverberou em meu cérebro como se estivesse próximo de um alto falante. À medida que passava por essas pessoas e as olhava, seja na estação, ou dentro do vagão do metrô, o refrão “Monster” martelava minha mente e (risos) eu não conseguia parar de rir. Aí decidi adaptar a letra e acrescentar, de forma alternada no refrão a palavra “loser”. Em cada rosto que olhava, a palavra monster e loser saltitava pela minha mente. Sorte a minha não ter tido (risos) telepatas pelo caminho. Para não ser linchado em público.


Cheguei um pouco depois das 21h, comprei nossos ingressos e fiquei aguardando Clau chegar. Fiquei sentado na poltrona quando fui abordado por uma menina que estava pegando depoimentos para a Mostra de Cinema. Tinha ido na abertura com a exibição do filme novo do Hector Babenco, escolhido para abrir a edição do festival. O filme era tão bom que (risos) fui embora antes do término. Sofrível de dar dó. Nem o Willen Dafoe conseguiu salvar. Fora a mancada de colocar a Denise Weinberg no papel de mãe do Dafoe. Não sei o critério usado na escolha da atriz, mas Denise estava caracterizada de uma maneira que ela parecia (risos) a irmã do personagem do Dafoe.


Voltando à entrevista, fui abordado pela repórter se não queria ser entrevistado. Quis me esquivar, pois não me lembrava dos filmes que estavam passando na Mostra. Tinha lido, mas me esquecido dos nomes. Disse para ela não me perguntar de forma pontual, sobre qual filme ver e ela disse “sem problemas”. Começamos a entrevista e acabei me empolgando em falar sobre a mostra, a atual produção de filmes no cenário mundial, até ela me perguntar com sua cara de pau peculiar que filme eu iria assistir na mostra. Fiquei enfiando a cara dela na parede mentalmente várias vezes. Mas me saí bem, dizendo que o grande barato era você lidar com o “elemento surpresa” da mostra em ir às sessões sem se pontuar com a indicação dos críticos ou dos guias culturais. Terminada a entrevista, avistei Clau e entramos na sala de exibição. Estávamos ansiosos em começar o filme. Só fiquei lamentando da gente ver no Reserva Cultural. As salas possuem uma péssima acústica. Mas assim que começou o filme, desencanamos da qualidade do som e mergulhamos na narrativa da história.

E nem precisamos fazer força para esquecermos o som horrível da sala de exibição. O filme teve pra mim a sensação de estar numa sala cirúrgica sem direito a uma anestesia. Para começar, a obra é baseada no romance de Leopold von Sacher-Masoch, nome que deu origem ao termo “masoquista”. E isso não é uma mera coincidência no filme.  O diretor utilizou apenas dois personagens (reforçando: apenas dois). O cenário, uma sala de teatro. E durante quase duas horas, o diretor usou e abusou de todos os seus instrumentos cirúrgicos para deixar o espectador arrebatado de dor e ao mesmo, de intenso prazer. A trama narra um dia de testes para escolha da atriz principal da peça, com a presença do diretor da peça, que está debutando no Teatro com sua primeira peça na direção. Assim que a audição de testes termina, ele arruma suas coisas para ir ao encontro de sua esposa – que aparece apenas de forma sutil, pelo celular. Quando está prestes a sair do teatro, entra em cena uma aspirante a atriz, que chega atrasada para os testes. Tanto para o espectador como para o diretor do filme, há uma impressão de estranhamento na personagem-atriz, que chega toda molhada da chuva e demonstrando não ter o mínimo de classe, a começar pela forma chula e de baixo calão para estabelecer um diálogo. E ela se mostra insistente acreditando piamente que ela é a atriz ideal para o papel. Com um bom roteiro conduzindo a narrativa, o diretor acaba cedendo e faz uma audição com a atriz. E para surpresa dele e de todos dentro da sala de cinema, ela simplesmente arrasa no seu primeiro texto, incorporando de forma magistral a personagem, deixando todos nós atônitos diante da tela. A partir daí, o diretor conduz o filme com vários jogos de cena a ponto de nos fazer confundir sobre qual momento do filme de fato é ficção e “realidade”. E usando apenas dois atores e uma produção simples, sem grandes recursos. Polanski realmente mostrou sua maestria em conseguir nos transformar em reles masoquistas. Por mais que doesse em assistirmos a digladiação dos dois personagens, ficávamos mais envolvidos e ansiosos em saber o desfecho do filme. E detalhe: não se escutava nem a respiração das pessoas (risos), tamanho o clima de apreensão na sala. O final é espetacular.


Assim que saímos do Reserva, pedi a Clau para ficar uns instantes sem conversar. Caminhamos pela Paulista assombrados e ao mesmo tempo admirados pelo fato do diretor ter essa maneira de surpreender o público. Para quem é ator e quer ter boa inspiração para lapidar seu talento, é uma experiência doída, porém necessária, assistir e estudar a cinebiografia do diretor. Vá sem medo de ser perfurado. Neste filme Polanski expurga de forma crua o quanto a dor - seja na forma de desprezo e/ou subestimação, é importante para sobrevivência deles. E minha também. Com a cota de filmes cirúrgicos vistos no mesmo dia, fomos para casa tomar um vinho. E assistir Happy Tree Friends. Para relaxar (risos).