quarta-feira, 18 de setembro de 2019




Bica de Ipu. Enquanto Jeovani batucava suas mãos com o setlist musical, ia contemplando a vista na estrada num misto de perplexidade e alívio. A perplexidade pelo fato de estar em uma estrada federal cheia de buracos, depois de ter saído de uma cidade pobre e sem estrutura para receber turistas, já que a proposta do roteiro que fechei incluía visitar as chagas de São Francisco, em Canindé. Essas chagas foram presenciadas na real com a pobreza predominante do lugar. O alívio foi termos ficado pouco na cidade. Emendamos na conversa sobre a situação miserável das pessoas no Estado e Jeovani aproveitou o gancho para falar sobre suas dificuldades na vida. Fiquei na dúvida se mudava rapidamente de assunto, mas senti que ele queria muito falar a respeito. E depois que você escuta “Me sinto à vontade para falar sobre esse assunto contigo” fica difícil sair pela tangente. Seria deselegante de minha parte.




Jeovani começou sua história dizendo “Você sabe que eu literalmente sou um filho da puta”? Pausa mental de não saber o que fazer, apenas emendei um “Ok”, me arrependendo de ter dado abertura. Achei que seria um momento de alguma piada sem a mínima graça. Só para abrir um parentes, os cearenses se orgulham muito pela quantidade de humoristas que ganharam reconhecimento na mídia e que saíram da terrinha. Mas acho que esqueceram de avisá-los que, com exceção do grande Chico Anysio, o humor calcado nas piadas de duplo sentido e nas minorias transformadas em caricaturas horrendas não fazem graça nenhuma. É um autêntico humor de 25ª categoria.




Para minha sorte, Jeovani mudou seu tom, agora um pouco mais sério e contou que sua mãe era uma puta. Ele nasceu e acabou sendo criado em um cabaré na cidade de Santos, no litoral paulista. Aos 8 anos, como forma de sobrevivência para ajudar no orçamento, ia até a praia para pescar. O que me chamou a atenção foi a estratégia que ele utilizava para conseguir uma grana extra: assim que pescava o peixe, ele articulosamente enterrava sua pesca na areia. Voltava a pescar e quando conseguia outro peixe, ele analisava qual era o mais fresquinho (isso ele adquiriu com a ajuda dos caiçaras, que o ajudava nessa análise), trocava pelo outro já um pouco passado, enterrava o melhor, enquanto saía para vender e conseguir uns trocados para levar à sua mãe. E quando conseguia vender, também enterrava o dinheiro, como forma de segurança para não gastar e ninguém lhe roubar.  Infância para brincar e aflorar sua imaginação não existiu. Fiquei tocado com esse começo de história, mas o destino achou melhor dar um pause na “Vida como ela é”. Com a chegada à Bica de Ipu, saímos da SW4 para ganharmos fôlego e caminharmos até a pequena cascata. Foto para ilustrar e água para refrescar.




Continuamos nossa jornada até chegarmos em Ubajara. Já adentrando a serra, o clima mudou. Apesar do ainda intenso calor, você já sentia a brisa serrana entrar em seus poros. Passamos por Guaraciaba do Norte – porta de entrada dessa região e Ibiapina, onde passamos por um Centro de Lazer do Sesc. Uma peculiaridade nessas cidades é que as ruas são bem estreitas, com aquela sensação que você entrou numa casa de bonecas. Astral renovado, conversamos sobre as expectativas da trilha do Parque Nacional de Ubajara. Só paramos de tagarelar quando a voz robótica de boneca inflável do aplicativo informou que já tínhamos chegado em nosso destino, o Neblina Park Hotel. Hora de alongar o corpo, tomar um belo drink e se refrescar.