sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015



Acordei no último domingo e já embarquei no vício frenético de dar uma lida nos noticiários pelo celular. Só que não. Entrei no facebook e para minha triste surpresa entra no feed de notícias uma foto do querido Amilcar M. Claro com a Sônia Braga, quando trabalhava como assistente de direção do filme “O Beijo da Mulher Aranha”, de Hector Babenco. Sua sobrinha noticiou seu falecimento pela rede. Ele realmente era um querido. Trabalhamos juntos na série “Teatro e Circunstância”, exibido pelo SescTV. Ele, junto com Sebastião Milaré, um expert em teatro e que faleceu recentemente, fez um belo mapeamento da produção teatral no Brasil. Muitas pessoas demonstraram o carinho que tinha por ele. Amilcar tinha descoberto um câncer há 6 meses, mas não quis fazer alarde sobre sua doença. Em uma última conversa que tivemos, pelo face, estava em Florianópolis e chegou a conversar sobre propostas. Mas a ideia ficou apenas na vontade. É triste sabermos que a morte é a única certeza que temos nessa vida. Dei uma lida nas homenagens carinhosas e fiz minha prece mental, pensando nos momentos agradáveis que passamos, nas várias reuniões de pauta que fizemos. A vida segue pra frente.

Saí para tomar um café e me deu um clique de sair um pouco da dieta. Resolvi ir na feira da Santa Cecília para comer pastel e tomar um caldo de cana. Passando por uma banca de revista, na minha leitura dinâmica de vasculhar algo de relevante nas revistas que ficam em exposição, leio  nesses semanários de fofoca que Antônia Fontenelle detona Regina Casé e Flavia Alessandra. E eu pergunto: quem é Antônia Fontenelle? E é bom registrar que Regina Casé ganhou o prêmio de melhor atriz no Festival Sundance. Antônia who?



Me jogando num pastel de carne, fui traçando o roteiro do dia. Perguntei para a atendente até que horas a barraca funcionava na feira e ela me disse “até daqui a pouco”. Dei uma risada e fiquei me questionando se ela tinha chupado alguma droga. Terminei de tomar meu caldo de cana e peguei o metrô com destino ao Centro Cultural São Paulo. Durante o trajeto até chegar ao CCSP, me deparo com vários haitianos pela cidade. Tão bonitos, tão joviais. Só acho uma pena eles serem tratados como crianças escravas chinesas, vendendo produtos genéricos nas estações de metrô.
E cheguei ao CCSP, o centro cultural mais gay friendly que conheço. A bicharada adora lá. Se não estão jogando RPG ou qualquer outro jogo, estão (risos) fazendo coreografias horríveis de música pop. Como elas conseguem absorver música de tão pouca qualidade? Mas é divertido vê-las brigando sobre quem terá mais espaço na coreografia. Elas juram que são parte do Circo du Soleil. Estão mais para uma versão "Parkinson" das Spice Girls.



Desci até a biblioteca para ver a exposição “Uma longa jornada”, onde fotógrafos retratam o sofrimento do povo palestino mediante à situações de fuga e desespero, por questões ligadas à guerra. Por causa da notícia da morte do Amilcar, eu potencializei a minha comoção com cada retrato, cada rosto sofrido, devastado pela guerra e pelo fundamentalismo religioso. E com o advento dessas facções extremistas crescendo, ganhando corpo no mundo, fiquei me perguntando até quando as pessoas continuariam sofrendo em nome de Alá. Subi até o jardim do CCSP para digerir a exposição. Decidi caminhar um pouco, em direção ao Centro Itaú Cultural, na Avenida Paulista.

O clima estava propício para caminhar. Friozinho gostoso de curtir em pleno verão. Quando estava quase chegando no Itaú Cultural, passei pela Casa das Rosas. E para meu (bom) espanto, Augusto dos Anjos é o protagonista do momento. O nome da exposição não poderia ser mais sugestivo: Esdrúxulo! 100 anos da morte de Augusto dos Anjos. Não deu para ignorar. Entrei de mergulho em sua obra doída, escatológica, com suas antíteses corroídas em torno de temas como a Morte. Com essa consciência da morte, tão escancarada em seus poemas, veio em minha mente a tão angustiada certeza da morte em nossas vidas.  Nada mais propício para o dia.



Não gostei muito da exposição A Arte da Lembrança, em cartaz no Itaú Cultural. A exposição é fotográfica, com nomes de peso, como Gilvan Barreto e Luiz Braga. Achei a curadoria um pouco equivocada. Algumas obras fugiam de fato ao assunto proposto pela exposição. Pelo menos, foi essa a minha leitura. Como me deu fome e não fiquei atraído pelas obras compostas do evento, fui almoçar, para pegar um cine mais tarde. O escolhido da vez foi Whiplash



Uma trama de 90 minutos muito bem costurada, com o início da história que se desenvolve bem durante seu percurso e conclui de forma brilhante o desfecho do filme. Me impressionou o filme não ter nenhuma “barriga” – aquela sensação de estar enrolando o espectador com assuntos irrelevantes, apenas para preencher espaço. A fotografia escura serviu para ilustrar com mais profundidade a tensão gerada entre os dois personagens do filme. A relação aluno ambicioso x professor obsessivo. E o mote da história é simples: um aluno que sonha em ser o melhor baterista de sua geração. J.K. Simmons está indicado na categoria de melhor ator coadjuvante, inclusive cotado para levar a estatueta. Para ser sincero, achei a atuação ok. Ele se beneficiou de um texto cheio de clichês para se sobressair. Particularmente, eu achei muito cômodo o trabalho de construção da personagem. O menino que faz o baterista, o ator Miles Temmer, foi a grande surpresa de Whiplash. E fazer um filme centrado apenas nos dois personagens – o resto não passou de mera figuração - e chamar a atenção do público em 90 minutos de filme não é tarefa fácil. Mérito da montagem e do diretor. Vale a pena assistir.