quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015



Decidi ficar em São Paulo no feriado de carnaval. Lógico que cheguei a me arrepender de não ter saído da cidade, mas com a decisão tomada, canalizei minha energia para colocar o roteiro cultural em dia e curtir a solitude. A ideia inicial era aproveitar o aconchego e conforto do meu lar. Colocar a leitura em dia, já que tenho uma fila de livros para ler. E eu tenho uma mania de ler alguns no mesmo período. Na prática, isso não rolou, pois decidi terminar de ler O Ateneu, já que estou enrolando com a história de Sérgio e seus colegas de internato. Apesar de sentir uma “barriga” em determinado momento no meio da história, me veio uma preguiça de não querer ir adiante. Medo de acompanhar o desfecho do jovem protagonista mancebo e questionador? Talvez, não. A narrativa me cansou? Pelo contrário. Adorei a sutileza cínica que Raul Pompeia, autor do livro,  emprestou ao personagem. Acredito que minha ansiedade de querer abraçar várias histórias, várias situações, tenha me custado um cansaço de não querer concluir o desfecho de várias tramas. Abri mão dos vários livros e me concentrei nos pupilos do inspetor Aristarco. Faltam 20 páginas para terminar. Acredito que essa semana eu termine.

Com a literatura condensada, mirei minha atenção no cinema e teatro. Consegui dois convites para ir à estreia de Puzzle D, na última sexta-feira. Chamei Elídia para ir comigo e ela topou. Nos encontramos casualmente na rua, próximo ao Sesc Vila Mariana, enquanto eu cumprimentava um colega. Ela está usando uma espécie de bengala. Acho tão fino usar bengala, não sei por que. Chegamos no Sesc e eu fui pegar nossos ingressos, enquanto Elídia conversava com alguns amigos. Alguns artistas foram prestigiar a peça: vi Eva Wilma, acompanhada de uma amiga. E pensar que a última vez que a vi no Teatro foi para ver uma peça tão sofrível. Isso porque o espetáculo marcava os 60 anos de carreira da atriz. Ela merecia algo à sua altura. Peguei os ingressos e fui ao encontro de Elídia, que me apresentou seus amigos. Um ator e um cavaleiro muito charmoso. A gente se encarou bastante enquanto nos cumprimentávamos. Elídia me chamou para voltar à Terra (risos) e irmos em direção ao foyer do Teatro. Entramos, dei um “oi” para alguns colegas do Sesc. Elídia quis saber a respeito de “Beije minha lápide”, com Marco Nanini e eu falei que achei fraco. Ela quis saber o motivo e eu falei que após o término da peça, saí do Teatro Anchieta com minha amiga Claudia, nos viramos e dissemos: “Vamos comer algo?” Quer dizer, se você assiste uma peça e depois do término dela, você não sai sensibilizado, a ponto de ter como reação pensarmos em qualquer outra coisa que não seja falar a respeito da peça, significa que a função do espetáculo foi de mero entretenimento. E Teatro para mim não é apenas um mero entretenimento. Não fui fisgado pela história, pelo elenco regular, pela montagem. Teve momentos que o iluminador comeu bola, com alguns deslizes técnicos. Mas ressaltei que mesmo com uma dramaturgia preguiçosa, a atuação de Marcos Nanini é válida, mesmo com o pouco que se ofereceu a ele como recurso para sua atuação. Depois dessa breve análise, ganhei de Elídia um livro com um texto dela, autografado. Mais um na minha fila de prioridade para ler ainda esse ano.


A montagem de Puzzle D vem com um atrativo a mais para esta temporada. A cada dia, um convidado participa da peça junto ao elenco de peso. Assim que entramos, os personagens já estavam no palco, com as cabeças cobertas de papel, cada um à sua maneira. Já para criar um estranhamento, um incômodo. Sentamos em nossas cadeiras, na fila B e fiquei tricotando mais um pouco com Elídia. Demos mais uma olhada nos convidados ilustres. Hélio Flanders, do Vanguart chegou acompanhado de uma garota, que acho que era atriz. Ela desfilava com ele, cheia de vaidade. São os excessos da juventude. E ela é bem mais alta que ele (risos). Antes da peça começar, Felipe Hirsch, diretor da peça, foi ao palco para nos informar que a Cida Moreira, convidada do dia para atuar em Puzzle D, tinha sofrido uma torção na perna  e não poderia participar na estreia. Em troca, ele acrescentou uma cena extra para a estreia.

E o espetáculo começa e sem chance para poder respirar. São tantas mensagens explícitas e codificadas que eu nem pisquei. Puzzle D é um roleta russa de assuntos que dilaceram nosso intelecto. O espetáculo faz uma reflexão sobre a cultura brasileira. E se analisarmos a fundo sobre tudo aquilo que está inserido na cultura brasileira atualmente, o quanto nos é imposto um tipo de cultura insossa, pobre e a peça mostrando esse contraponto com a riqueza cultural que temos em diversas linguagens e que são esquecidas. Aliás, contraponto é uma palavra que para mim, define a linha de base para a dramaturgia da peça. A atual cultura vazia que temos – ou que pelo menos não é difundida às pessoas – com o ufanismo exarcebado pelas “conquistas” e feitos que a Colônia Constante chamada Brasil acha que possui. E o que é bem sacado é o uso de diversas vertentes artísticas para contextualizar a dramaturgia. A música, a literatura, o cinema se misturam, como num autêntico café com leite matinal. E para aqueles que se julgam intelectuais, Puzzle D faz sua crítica a respeito do excesso de valores que no decorrer da História, surgiram como caráter de informação. E de discórdia também. A cena em que a personagem de Magali Biff começa a interpretar um texto fazendo essa pontuação sobre a geração de ideias, criadas por grandes pensadores e a real finalidade dessas ideias surtirem ou não um efeito intelectual nas pessoas, foi memorável. Enquanto ela se auto degladia, a personagem caminha de costas, numa reta transversal, vomitando sua loucura pelo excesso de informação armazenada. A crítica sobre isso vai muito além do armazenamento. Mais do que digerir a informação, a questão é de que forma, dentro do limite de seu entendimento, você regurgitará esse pensamento. O que deixa a personagem extremamente insana no palco. Foi um momento insofismável no espetáculo.


Término do espetáculo e eu ainda sentado na cadeira, junto com Elídia. Fiquei muito mexido com a montagem, a atuação matematicamente perfeita do elenco, que em apenas uma hora de espetáculo me fez ficar sem piscar, jogando como “fardo” em minhas costas Haroldo de Campos, Roberto Bolaño, Paulo Leminsky para minha digestão cultural. Descemos ao foyer e vimos que estava tendo um coquetel. Queria ir embora, pois estava muito mexido com que tinha acabado de ver. Elídia queria parabenizar seus amigos e atores da peça. Fiquei mais um pouco, fazendo uma social com colegas do Sesc Vila Mariana. Elídia me apresentou o filho da cartunista Laerte, que trabalha como assistente de produção da peça. Uma graça de pessoa. Falei para Elídia que eu “faria “ ele, mas supreendentemente Elídia ficou em pseudo-choque e justificou que ele “era casado e tinha filhos”. Eu disse que não teria problemas (risos). Acho que ela não entendeu que estava brincando. Realmente, humor de viado é para poucos. Fui ao toilete e em seguida mandei um whats para Elídia dizendo que estava indo embora. Como ela não me respondeu, saí à francesa em direção ao subway, com muitos questionamentos que estavam efervescendo minha cabeça. Foi uma peça que me deixou cansado, sem forças. Eu realmente precisava descansar. Coloquei meu Ipod pra funcionar enquanto viajava pelo metrô, a caminho de casa.  E pensar que esse tipo de densidade estava só começando no período de carnaval. 

Se você se interessou por Puzzle D, não perca a chance. É doído de se ver, mas vale a pena assistir - http://www.sescsp.org.br/programacao/53210_PUZZLE+D#/content=na-midia