Decidi ficar em São Paulo
no feriado de carnaval. Lógico que cheguei a me arrepender de não ter saído da
cidade, mas com a decisão tomada, canalizei minha energia para colocar o
roteiro cultural em dia e curtir a solitude. A ideia inicial era aproveitar o
aconchego e conforto do meu lar. Colocar a leitura em dia, já que tenho uma
fila de livros para ler. E eu tenho uma mania de ler alguns no mesmo período.
Na prática, isso não rolou, pois decidi terminar de ler O Ateneu, já que estou
enrolando com a história de Sérgio e seus colegas de internato. Apesar de
sentir uma “barriga” em determinado momento no meio da história, me veio uma
preguiça de não querer ir adiante. Medo de acompanhar o desfecho do jovem
protagonista mancebo e questionador? Talvez, não. A narrativa me cansou? Pelo
contrário. Adorei a sutileza cínica que Raul Pompeia, autor do livro, emprestou ao personagem. Acredito
que minha ansiedade de querer abraçar várias histórias, várias situações, tenha
me custado um cansaço de não querer concluir o desfecho de várias tramas. Abri
mão dos vários livros e me concentrei nos pupilos do inspetor Aristarco. Faltam
20 páginas para terminar. Acredito que essa semana eu termine.
Com a literatura condensada, mirei minha atenção no
cinema e teatro. Consegui dois convites para ir à estreia de Puzzle D, na
última sexta-feira. Chamei Elídia para ir comigo e ela topou. Nos encontramos
casualmente na rua, próximo ao Sesc Vila Mariana, enquanto eu cumprimentava um
colega. Ela está usando uma espécie de bengala. Acho tão fino usar bengala, não
sei por que. Chegamos no Sesc e eu fui pegar nossos ingressos, enquanto Elídia
conversava com alguns amigos. Alguns artistas foram prestigiar a peça: vi Eva
Wilma, acompanhada de uma amiga. E pensar que a última vez que a vi no Teatro
foi para ver uma peça tão sofrível. Isso porque o espetáculo marcava os 60 anos
de carreira da atriz. Ela merecia algo à sua altura. Peguei os ingressos e fui
ao encontro de Elídia, que me apresentou seus amigos. Um ator e um cavaleiro
muito charmoso. A gente se encarou bastante enquanto nos cumprimentávamos.
Elídia me chamou para voltar à Terra (risos) e irmos em direção ao foyer do
Teatro. Entramos, dei um “oi” para alguns colegas do Sesc. Elídia quis saber a
respeito de “Beije minha lápide”, com Marco Nanini e eu falei que achei fraco.
Ela quis saber o motivo e eu falei que após o término da peça, saí do Teatro
Anchieta com minha amiga Claudia, nos viramos e dissemos: “Vamos comer algo?”
Quer dizer, se você assiste uma peça e depois do término dela, você não sai
sensibilizado, a ponto de ter como reação pensarmos em qualquer outra coisa que
não seja falar a respeito da peça, significa que a função do espetáculo foi de
mero entretenimento. E Teatro para mim não é apenas um mero entretenimento. Não
fui fisgado pela história, pelo elenco regular, pela montagem. Teve momentos
que o iluminador comeu bola, com alguns deslizes técnicos. Mas ressaltei que
mesmo com uma dramaturgia preguiçosa, a atuação de Marcos Nanini é válida,
mesmo com o pouco que se ofereceu a ele como recurso para sua atuação. Depois
dessa breve análise, ganhei de Elídia um livro com um texto dela, autografado. Mais
um na minha fila de prioridade para ler ainda esse ano.
A montagem de Puzzle D vem com um atrativo a mais para
esta temporada. A cada dia, um convidado participa da peça junto ao elenco de
peso. Assim que entramos, os personagens já estavam no palco, com as cabeças
cobertas de papel, cada um à sua maneira. Já para criar um estranhamento, um
incômodo. Sentamos em nossas cadeiras, na fila B e fiquei tricotando mais um
pouco com Elídia. Demos mais uma olhada nos convidados ilustres. Hélio
Flanders, do Vanguart chegou acompanhado de uma garota, que acho que era atriz.
Ela desfilava com ele, cheia de vaidade. São os excessos da juventude. E ela é bem mais alta que ele (risos). Antes da
peça começar, Felipe Hirsch, diretor da peça, foi ao palco para nos informar
que a Cida Moreira, convidada do dia para atuar em Puzzle D, tinha sofrido uma
torção na perna e não poderia participar
na estreia. Em troca, ele acrescentou uma cena extra para a estreia.
E o espetáculo começa e sem chance para poder respirar.
São tantas mensagens explícitas e codificadas que eu nem pisquei. Puzzle D é um
roleta russa de assuntos que dilaceram nosso intelecto. O espetáculo faz uma
reflexão sobre a cultura brasileira. E se analisarmos a fundo sobre tudo aquilo
que está inserido na cultura brasileira atualmente, o quanto nos é imposto um
tipo de cultura insossa, pobre e a peça mostrando esse contraponto com a
riqueza cultural que temos em diversas linguagens e que são esquecidas. Aliás,
contraponto é uma palavra que para mim, define a linha de base para a
dramaturgia da peça. A atual cultura vazia que temos – ou que pelo menos não é
difundida às pessoas – com o ufanismo exarcebado pelas “conquistas” e feitos
que a Colônia Constante chamada Brasil acha que possui. E o que é bem sacado é
o uso de diversas vertentes artísticas para contextualizar a dramaturgia. A
música, a literatura, o cinema se misturam, como num autêntico café com leite
matinal. E para aqueles que se julgam intelectuais, Puzzle D faz sua crítica a
respeito do excesso de valores que no decorrer da História, surgiram como
caráter de informação. E de discórdia também. A cena em que a personagem de
Magali Biff começa a interpretar um texto fazendo essa pontuação sobre a
geração de ideias, criadas por grandes pensadores e a real finalidade dessas ideias
surtirem ou não um efeito intelectual nas pessoas, foi memorável. Enquanto ela
se auto degladia, a personagem caminha de costas, numa reta transversal,
vomitando sua loucura pelo excesso de informação armazenada. A crítica sobre
isso vai muito além do armazenamento. Mais do que digerir a informação, a
questão é de que forma, dentro do limite de seu entendimento, você regurgitará
esse pensamento. O que deixa a personagem extremamente insana no palco. Foi um
momento insofismável no espetáculo.
Término do espetáculo e eu ainda sentado na cadeira,
junto com Elídia. Fiquei muito mexido com a montagem, a atuação matematicamente
perfeita do elenco, que em apenas uma hora de espetáculo me fez ficar sem
piscar, jogando como “fardo” em minhas costas Haroldo de Campos, Roberto
Bolaño, Paulo Leminsky para minha digestão cultural. Descemos ao foyer e vimos
que estava tendo um coquetel. Queria ir embora, pois estava muito mexido com
que tinha acabado de ver. Elídia queria parabenizar seus amigos e atores da
peça. Fiquei mais um pouco, fazendo uma social com colegas do Sesc Vila
Mariana. Elídia me apresentou o filho da cartunista Laerte, que trabalha como
assistente de produção da peça. Uma graça de pessoa. Falei para Elídia que eu “faria
“ ele, mas supreendentemente Elídia ficou em pseudo-choque e justificou que ele
“era casado e tinha filhos”. Eu disse que não teria problemas (risos). Acho que
ela não entendeu que estava brincando. Realmente, humor de viado é para poucos.
Fui ao toilete e em seguida mandei um
whats para Elídia dizendo que estava indo embora. Como ela não me respondeu,
saí à francesa em direção ao subway, com
muitos questionamentos que estavam efervescendo minha cabeça. Foi uma peça que
me deixou cansado, sem forças. Eu realmente precisava descansar. Coloquei meu
Ipod pra funcionar enquanto viajava pelo metrô, a caminho de casa. E pensar que esse tipo de densidade estava só
começando no período de carnaval.
Se você se interessou por Puzzle D, não perca a chance. É doído de se ver, mas vale a pena assistir - http://www.sescsp.org.br/programacao/53210_PUZZLE+D#/content=na-midia