Eu realmente (quase) fugi de
qualquer coisa que remetesse ao carnaval. Excesso de gente fedendo cerveja
barata, caminhando como párias bêbados, caídos, brindando a nossa
vulnerabilidade e inutilidade no mundo. E os inventos criados para garantir o
excesso de luxúria nosso de cada dia? Criaram até uma cápsula, em formato de
calmante – ou melhor, estimulante, para o casal que quisesse ficar num clima
mais, digamos, íntimo. Mas com tempo cronometrado para gozar (risos). Dionísio
deve ter exclamado lá do Olimpo: “Tiveram a devida educação.
Trepem, meus filhos”! Quem sabe no próximo carnaval eles televisionem os 15
minutos de fama do casal. Ou não (risos). Com o teor alcólico lá nas alturas,
imagino que o bofe vai demorar muito para conseguir enfiar o pau dele em algum
buraco. E quando encontrar o tal orifício, uma voz divina ecoará: “Tempo
esgotado”! (risos). E uma curiosidade sobre a cápsula: será que eles dedetizam
quando um casal termina de fazer o “serviço” para entrada do próximo casal, que
se estapeou com vários por sua senha dionisíaca? No carnaval, o Brasil escancara a sua alegoria de “Sodoma e Gomorra Reloaded”.
Apesar dos vários blocos
percorrendo a cidade, o máximo que me permiti em entrar no espírito
carnavalesco foi assistir aos desfiles. E seus derivados. A TV Cultura reprisou
uma entrevista histórica (foi assim que a emissora divulgou o programa) com
Joãosinho Trinta, no Roda Viva. Apesar do filme sobre ele ter sido mediano, foi
interessante ver o critério que o carnavalesco utilizou para revolucionar o
desfile do carnaval carioca. Ter como base de construção de um enredo uma ópera
é no mínimo genial. E que entrevista grandiosa. Profissionais de revistas que
nem existem mais. E Joãosinho não se intimidou com as perguntas: se degladiou
com todos, sempre mantendo uma classe britânica. Não se fazem mais programas de
entrevistas como antigamente. O próprio Roda Viva se pasteurizou.
Aqui em São Paulo vi o desfile
impecável da Mocidade Alegre, homenageando Marília Pêra. Acompanhei também a
Gaviões da Fiel, que sempre coloca o desfile pra cima; Rosas de Ouro sempre
luxuosa. Acho saudável a alternância de campeã entre as escolas. Apesar do
brinco que foi a Mocidade, a Vai-Vai empolgou muito mais o público e fez um
desfile com raça, com samba no pé. Lógico que teve alguns deslizes, mas achei
louvável a escola homenagear Elis Regina e mostrar a maior cantora do país a um
público que ainda não conhece a obra da artista. Há controvérsias a respeito do
samba-enredo, pois mostrou uma colagem de vários sucessos da cantora. A Unidos
do Peruche, depois de um longo período, volta ao grupo especial, junto com a
escola da Vila Madalena, a Pérola Negra. Tom Maior e Mancha Verde caem ao grupo
de acesso. Aliás, a Mancha Verde mostrou com muito realismo a história do Palmeiras.
Até o seu rebaixamento (risos).
No segundo dia, para mim só deu
Portela. Se a Salgueiro entrou querendo ganhar, a Portela entrou pra ganhar.
Foi a primeira escola a ser ovacionada pelo público gritando “é campeã”! A
entrada dos paraquedistas anunciando a escola foi incrível. A águia drone já se
tornou parte da escola, fazendo as honras de anunciar a entrada da Águia de
Madureira. E o que foi aquela Águia-Cristo? Quando ela se abaixou para passar
pela marquise da Sapucaí e conseguiu passar, houve um coro em uníssono gritando
“Gol”! Foi de arrepiar. E fazia tempos que a Portela não me empolgava com um
samba-enredo envolvente. Achei pouco ela ter ficado em 5º lugar.
E a Beija-Flor mereceu ganhar? Respondendo com pouca empolgação, mereceu, sim. E antes de ser apedrejado, acho
importante ressaltar: todas as escolas de samba recebem recursos de
traficantes, bicheiros, contraventores para colocar o desfile em pé na avenida.
Somos coniventes com isso há anos. E agora vem um discurso por causa do
patrocínio feito pelo governo ditatorial de Guiné? Sabemos que essas ações são
erradas há décadas. E ninguém nunca se pronunciou a respeito. Por um lado, o
dinheiro sujo. Mas por outro, eu vi a comunidade toda de Nilópolis se doando
com garra, dedicação em defender a escola. Eles literalmente suaram a camisa. Acho que a ressaca moral de muitos vai se prolongar até a Quaresma.