sábado, 21 de fevereiro de 2015


Eu realmente (quase) fugi de qualquer coisa que remetesse ao carnaval. Excesso de gente fedendo cerveja barata, caminhando como párias bêbados, caídos, brindando a nossa vulnerabilidade e inutilidade no mundo. E os inventos criados para garantir o excesso de luxúria nosso de cada dia? Criaram até uma cápsula, em formato de calmante – ou melhor, estimulante, para o casal que quisesse ficar num clima mais, digamos, íntimo. Mas com tempo cronometrado para gozar (risos). Dionísio deve ter exclamado lá do Olimpo: “Tiveram a devida educação. Trepem, meus filhos”! Quem sabe no próximo carnaval eles televisionem os 15 minutos de fama do casal. Ou não (risos). Com o teor alcólico lá nas alturas, imagino que o bofe vai demorar muito para conseguir enfiar o pau dele em algum buraco. E quando encontrar o tal orifício, uma voz divina ecoará: “Tempo esgotado”! (risos). E uma curiosidade sobre a cápsula: será que eles dedetizam quando um casal termina de fazer o “serviço” para entrada do próximo casal, que se estapeou com vários por sua senha dionisíaca? No carnaval, o Brasil escancara a sua alegoria de “Sodoma e Gomorra Reloaded”.

Apesar dos vários blocos percorrendo a cidade, o máximo que me permiti em entrar no espírito carnavalesco foi assistir aos desfiles. E seus derivados. A TV Cultura reprisou uma entrevista histórica (foi assim que a emissora divulgou o programa) com Joãosinho Trinta, no Roda Viva. Apesar do filme sobre ele ter sido mediano, foi interessante ver o critério que o carnavalesco utilizou para revolucionar o desfile do carnaval carioca. Ter como base de construção de um enredo uma ópera é no mínimo genial. E que entrevista grandiosa. Profissionais de revistas que nem existem mais. E Joãosinho não se intimidou com as perguntas: se degladiou com todos, sempre mantendo uma classe britânica. Não se fazem mais programas de entrevistas como antigamente. O próprio Roda Viva se pasteurizou.

Aqui em São Paulo vi o desfile impecável da Mocidade Alegre, homenageando Marília Pêra. Acompanhei também a Gaviões da Fiel, que sempre coloca o desfile pra cima; Rosas de Ouro sempre luxuosa. Acho saudável a alternância de campeã entre as escolas. Apesar do brinco que foi a Mocidade, a Vai-Vai empolgou muito mais o público e fez um desfile com raça, com samba no pé. Lógico que teve alguns deslizes, mas achei louvável a escola homenagear Elis Regina e mostrar a maior cantora do país a um público que ainda não conhece a obra da artista. Há controvérsias a respeito do samba-enredo, pois mostrou uma colagem de vários sucessos da cantora. A Unidos do Peruche, depois de um longo período, volta ao grupo especial, junto com a escola da Vila Madalena, a Pérola Negra. Tom Maior e Mancha Verde caem ao grupo de acesso. Aliás, a Mancha Verde mostrou com muito realismo a história do Palmeiras. Até o seu rebaixamento (risos).


 No Rio, vi a Unidos de Viradouro e a Mangueira no primeiro dia de desfile e não me empolguei. A chuva atrapalhou bastante o desfile das duas escolas. Minha expectativa estava no desfile da Mocidade Independente de Padre Miguel, com a estréia do carnavalesco Paulo Barros. O tema foi propício: o fim do mundo. Pegando uma carona de inspiração na letra de Paulo Moska, o enrendo questiona o que você faria em seu último dia de vida? Apesar da morbidez, o carnavalesco soube ousar, com um deboche sutil sobre o tema em questão. Apesar dos lindos efeitos, achei que a escola ficou confiante demais na vinda de Barros e em toda pirotécnica que faltou algo essencial no desfile: o samba no pé; Vi pouco o Salgueiro, mas senti a imponência da escola. Ela entrou na avenida querendo ganhar.

No segundo dia, para mim só deu Portela. Se a Salgueiro entrou querendo ganhar, a Portela entrou pra ganhar. Foi a primeira escola a ser ovacionada pelo público gritando “é campeã”! A entrada dos paraquedistas anunciando a escola foi incrível. A águia drone já se tornou parte da escola, fazendo as honras de anunciar a entrada da Águia de Madureira. E o que foi aquela Águia-Cristo? Quando ela se abaixou para passar pela marquise da Sapucaí e conseguiu passar, houve um coro em uníssono gritando “Gol”! Foi de arrepiar. E fazia tempos que a Portela não me empolgava com um samba-enredo envolvente. Achei pouco ela ter ficado em 5º lugar.

E a Beija-Flor mereceu ganhar? Respondendo com pouca empolgação, mereceu, sim. E antes de ser apedrejado, acho importante ressaltar: todas as escolas de samba recebem recursos de traficantes, bicheiros, contraventores para colocar o desfile em pé na avenida. Somos coniventes com isso há anos. E agora vem um discurso por causa do patrocínio feito pelo governo ditatorial de Guiné? Sabemos que essas ações são erradas há décadas. E ninguém nunca se pronunciou a respeito. Por um lado, o dinheiro sujo. Mas por outro, eu vi a comunidade toda de Nilópolis se doando com garra, dedicação em defender a escola. Eles literalmente suaram a camisa. Acho que a ressaca moral de muitos vai se prolongar até a Quaresma.